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O Brasil viu a ascensão e queda do ministro da Educação ocorrer em um espaço de apenas cinco dias e, com um enredo que não deixa a desejar para a temporada atual da política brasileira, o episódio protagonizado por Carlos Alberto Decotelli da Silva expõe mais do que as falhas do breve-ministro. É um exemplar perfeito de como as falhas do sistema educacional tradicional, com suas inúmeras inversões de prioridades, causam prejuízos mais profundos ao potencializar o fenômeno da sobrevalorização de diplomas em detrimento à aquisição de habilidades e competências transversais, cuja relevância aumenta a cada dia ao passo em que acompanhamos o florescimento de um futuro inegavelmente mais tecnológico.
Do caso Decotelli, podemos fazer um recorte de uma sequência de fatos que mostram como a sociedade precisa compreender que o mercado de trabalho, inclusive do poder público, não pode mais se guiar somente por currículos e supostos diplomas. O próprio boicote ao então escolhido para o Ministério da Educação mostra como a percepção de falta de integridade, da distorção de comunicação, do distanciamento da própria realidade e da quebra de confiança diante daqueles que antes o endossavam, falou mais alto do que qualquer um dos títulos que Decotelli supôs ter -- e até mesmo os que de fato possui.
O ponto é que, mesmo caindo graças aos próprios equívocos, Carlos Alberto Decotelli e o escândalo de seu currículo inflado trazem uma excelente reflexão: por quê, em pleno século 21, estamos nos atendo mais a diplomas do que a pessoas competentes? Mais ainda: por que vamos contra as tendências do futuro do mercado de trabalho e da própria educação e reduzimos competência a currículos exclusivamente ligados aos métodos de escolaridade formais? Será que se fosse avaliado para além disso, não poderia Decotelli ser, de fato, uma boa opção para o cargo de Ministro?
Decotelli certamente não foi o único que usou os seus poucos dias ou breves experiências para falar que possuiu vivência acadêmica digna de ir para o Lattes. Outras figuras presentes no debate público nacional, como Celso Amorim, Ricardo Vélez Rodríguez, Aloízio Mercadante, Abraham Weintraub, Wilson Witzel e até mesmo a ex-presidente Dilma Rousseff também estiveram em meio a situações controversas envolvendo fraudes em títulos e currículos. São essas pessoas públicas que nos alertam: até mesmo dados acadêmicos e profissionais são passíveis das narrativas que melhor soem aos anseios de seus donos.
Mas não é de personagens desenhados ao bel prazer de palavras sobre uma folha impressa que o mercado de trabalho precisa. Experiência e competência técnica para ser um bom profissional não podem e nem devem ser mensuradas apenas por um pedaço de papel. Avaliar os profissionais que alocamos com base em suas condutas éticas, capacidade de gestão e liderança e trabalho em equipe falam muito mais sobre as chances que eles possam ter para superar desafios e obter sucesso. É o que está cada vez mais expresso em relatórios e estudos que endossam que o verdadeiro profissional do futuro é aquele que detém habilidades socioemocionais, conhecimentos não ensinados de maneira obsoleta e tecnicista, em aulas coletivas -- e coletivistas.
Se a lição que Decotelli trouxe servir como aprendizado para mudança dessa visão de idolatria aos diplomas, teremos um grande avanço em direção a não só um ocupante realmente competente para a cadeira que é responsável por guiar o futuro da educação brasileira, mas para um país que passa a vislumbrar um horizonte de profissionais mais capazes de lidar com um mundo em constante mudança.
Beatriz Nóbrega é Diretora de Operações do Lideranças nas Escolas
Giovanni Justino é Diretor Executivo do Lideranças nas Escolas