O processo de impeachment, claro e inequivocamente previsto na Constituição Federal de 1988 como instrumento de controle sobre os poderes, é jurídico-político, sinalizou o advogado geral da União, José Eduardo Cardozo, quando defendeu a presidenta Dilma Rousseff na Comissão Mista da Câmara dos Deputados, que analisa admissibilidade de abertura de processo de cassação do mandato presidencial por crime de responsabilidade.

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A ação foi proposta pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e pela advogada Janaína Paschoal. O presidente da Câmara do Deputados, Eduardo Cunha, acatou parte da denúncia. Não cabe conjecturar, neste pequeno espaço, sobre a apreciação de objetos estranhos à denúncia, como a delação do senador Delcídio do Amaral, ou supostas ligações da presidenta com as investigações da Operação Lava Jato. A juntada dessas denúncias à leitura do relatório anula a ação por afrontar o livre direito de defesa. A pessoa tem o direito de saber do que está sendo acusada, para se defender.

Não posso votar a favor de um processo que se destina a uma ruptura institucional

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Que golpe é esse?

Novilíngua. É esse o termo cunhado por George Orwell em sua célebre obra “1984” para designar não um mero neologismo de ficção, mas, sim, um verdadeiro método de ação de governos antidemocráticos que pretendem se impor pelo controle da narrativa desvirtuando o uso e o sentido tradicional de palavras existentes.O PT é mestre no uso da novilíngua

Leia o artigo do deputado federal Paulo Martins (PSDB-PR)

A cassação de um mandato presidencial é possível somente em caso da prática de crime de responsabilidade, previsto no artigo 85 da CF. A Carta Magna, em seu artigo 86, prevê garantias institucionais ao mandatário para exercer suas funções, com estabilidade. Para ser crime, o ato deve ser cometido diretamente pela pessoa da presidenta, atentar contra a Constituição e revelar dolo. Em nenhum dos dois supostos crimes imputados à Dilma encontra-se qualquer rastro dessas características.

As acusações centram-se na abertura de crédito suplementar por meio da edição de seis decretos, entre julho e agosto de 2015, e inadimplemento da União com o Banco do Brasil, por atrasar o pagamento do crédito rural, repassado aos produtores do campo pelo banco. Um dos graves erros da peça acusatória é o de confundir gerenciamento orçamentário com financeiro. Uma coisa é o governo ter autorização para gastar, ou seja, o orçamento, mas não ter o recurso, o financeiro.

Sem aumentar gastos, o governo alterou a disponibilidade dos recursos. Cerca de 70% destes, por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), foram alocados no Ministério da Educação e Cultura (MEC). O Executivo apenas cumpriu uma ordem do órgão auxiliar do Legislativo, com aprovação do Congresso Nacional (CN). A presidenta não tem a primazia de escolher se cumpre ou não despesas obrigatórias estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Os decretos foram produzidos sob pareceres técnicos e jurídicos de aproximadamente 20 órgãos competentes e sob a proteção de uma jurisprudência com mais de 15 anos. A presidenta não pode ser acusada de atentar contra a Constituição. O ato não foi cometido isolado e diretamente pela pessoa da presidenta. Baseou-se em critérios técnicos e, portanto, não há dolo. Um suplemento de crédito solicitado por um ministério ou pelo Judiciário não é disciplinado pela presidência.

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Quanto às ditas pedaladas fiscais, aceitas por Cunha apenas as do exercício de 2015, elas sequer foram analisadas pelo TCU e muito menos consideradas pelo CN. A acusação confunde empréstimo com subvenção. Ao atrasar o repasse ao BB, a União não toma empréstimo, torna-se inadimplente. O atraso não pode ser caracterizado como operação de crédito.

O aspecto político da questão não pode subverter o jurídico e sobre ele prevalecer. O terrorismo criado e propalado pela oposição e por parte da imprensa faz do cumprimento pelo Executivo de uma ordem do TCU e uma prosaica operação contábil parecerem crimes como os de esconder dinheiro não declarado e de origem inconfessável, no exterior.

Frente a todos os argumentos técnicos e jurídicos que legitimam os atos da presidenta, não posso votar a favor de um processo que se destina a uma ruptura institucional. Interromper um mandato legitimamente eleito sem qualquer acusação que se sustente, fora do campo político, é atentar contra a democracia, as garantias constitucionais, o Estado Democrático de Direito, o ordenamento jurídico e, portanto, eu voto contra o que se caracteriza como um golpe.

Enio Verri é deputado federal do Paraná pelo Partido dos Trabalhadores (PT/PR).