Os livros de administração definem "autoridade" como "a capacidade de dar ordens e esperar obediência". Pois é, o presidente Lula há várias semanas determinou taxativamente ao ministro Mantega que encontrasse uma solução para o Incor em 48 horas. Viajou em seguida e, como é óbvio, as 48 horas viraram 72, 240, 480, 960 e nada aconteceu. O presidente também informou ao distinto público, por seu porta-voz, que estava irritadíssimo com a crise da aviação civil e que exigia uma solução imediata para o assunto, antes de viajar de novo para algum lugar no mundo, o que faz com crescente freqüência. Foi, voltou, viajou de novo e, de novo, nada aconteceu. Agora, já fez saber que um crescimento inferior a 5,0% ao ano em 2007 não é aceitável e que exige um plano de ação para que isso se concretize, não aceitando desculpas. As ordens do presidente não são nem serão obedecidas simplesmente porque a realidade não se altera, pela pronúncia da palavra mágica "fiat", ou seja, "faça-se!" como no Gênesis. Embora seja claro que não faltarão bajuladores para dizer ao seu ouvido a frase que dá título a uma das mais famosas peças de Pirandello: "Presidente, assim é se lhe parece".
Nos primeiros dois exemplos, a ordem não foi nem poderia ter sido obedecida. A crise do Incor é resultado de uma lenta e persistente acumulação de erros administrativos e de má gestão financeira e a única forma de resolvê-la em 48 horas teria sido pegar o dinheiro do contribuinte e utilizá-lo para corrigir os equívocos e a imprudência dos administradores, o que teria sido totalmente inaceitável. Portanto, ponto para o ministro Mantega, que não fez o que lhe foi ordenado e não o fez bem. No segundo, o caso do apagão aéreo, também a ordem de solução era inócua pois sem que se chegue, sequer, à conclusão a respeito do que realmente está ocorrendo, não há como resolver o problema, qualquer que ele seja. O ministro Waldir Pires corre o risco de passar à história como o titular de uma pasta semelhante à criada por Millôr Fernandes na revista O Cruzeiro cinqüenta anos atrás, o Ministério das Perguntas Cretinas. No caso atual, o Ministério das Explicações Cretinas, que divertem o público distante, irritam os atingidos pela incompetência geral e não fazem os aviões sair nos horários.
E agora, há a "ordem" para crescer 5%, a qual obviamente também não será obedecida simplesmente porque, na área técnica, não há uma voz minimamente digna de crédito que assegure ser isso possível. O próprio Ipea, órgão de pesquisa econômica do governo federal, que sempre foi muito respeitado pela sua competência, não avaliza essa previsão. Ao contrário, em um ensaio recentemente publicado aposta que o crescimento deverá se situar na melhor das hipóteses entre 3% e 4%, essa última taxa só ocorrendo se todo um conjunto de condições favoráveis se concretizar. Portanto, as chances de abandonarmos nossa incômoda posição de país que, nos últimos anos, cresceu a metade do que todo o resto do mundo, parecem diminuídas substancialmente.
O estudo do Ipea revela ainda algumas verdades incômodas: a taxa de juros elevada tem sua parcela de culpa, mas não é a única responsável pelo crescimento medíocre; provavelmente um fator mais importante que esse seja o fato de que o peso do governo na sociedade tenha aumentado e continue aumentando progressivamente. Nos últimos 15 anos, a participação do setor público no PIB brasileiro aumentou 10%, passando de 14% para 24%. Ora, como o PIB atual é da ordem de 800-900 bilhões de dólares, isso significa que, a cada ano, são carreados para o setor público brasileiro mais 80-90 bilhões de dólares do que em 1990. E para onde vai essa dinheirama? Não vai para financiar investimento, que estão hoje em um nível ridiculamente baixo entre 2% e 3% do orçamento federal. Vai para financiar gastos administrativos, assistenciais e previdenciários. Enquanto isso, a infra-estrutura econômica se deteriora e os investimentos em ciência, tecnologia e educação, que poderiam sustentar um crescimento agressivo, patinam. Aliado a esses fatores, o investimento privado na produção sofre enorme concorrência por parte da altíssima taxa de juros que favorece a especulação financeira e o investimento externo no país é desestimulado por um real excessivamente valorizado. E assim o país acaba não saindo do lugar porque investe pouco para gerar novas riquezas e manter as atuais.
P.S. Que dizer da absolvição de José Janene? Nada, a não ser reconhecer que estamos encerrando mais um ato de uma interminável farsa que transforma a todos em observadores entediados dos espetáculos deprimentes de desfaçatez e de falta de pudor que o Congresso insiste em patrocinar. Deus permita que seja só uma farsa e não prenúncio de uma tragédia.