Sabe-se que a liberdade de expressão é um dos mais fortes pilares da democracia. Através da manifestação de pensamento, cidadãos emitem opiniões, ideias, críticas, externam suas atividades intelectuais, artísticas, científicas etc.
A importância de expor o pensamento é de tamanha envergadura que é protegido em nossa Constituição Federal de 1988, sendo considerado como norma pétrea, portanto, imutável. Assim, quando o poder estatal passa a emudecer o cidadão, está-se diante de um regime totalitário.
Não restam dúvidas, apesar da amplitude de tal princípio, que ele não é absoluto, devendo ser vedado a prática ou incentivo a condutas tipificadas em nosso ordenamento jurídico. Nosso arcabouço legal prevê punições àqueles que, com as escusas da liberdade de expressão comentem crimes. No campo penal temos tipificado, entre outros, a injúria, difamação e calúnia. No âmbito do direito civil, existe a possibilidade de o ofendido ajuizar ação perdas e danos contra o ofensor. Mas quando não se trata desses ilícitos, a liberdade de expressão precisa ser protegida.
Convém trazer a lume que o parágrafo 2 do artigo 220 da CF/88, que veda toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística, não havendo de se falar, por conseguinte, em censura prévia.
Não se pode conceber liberdade de expressão seletiva na qual os cidadãos podem se manifestar sobre qualquer ideia, menos criticar ministros da Suprema Corte ou as urnas eletrônicas.
Ministros da Suprema Corte, em passado recente, sempre defenderam a amplitude da liberdade de expressão. Alexandre de Moraes, ao julgar a inconstitucionalidade de trecho da Lei Eleitoral que vedava sátiras nas eleições em 2018, assim se posicionou, “Quem não quer ser criticado, satirizado, fica em casa. Não seja candidato, não se ofereça para exercer cargo político. É uma regra desde que o mundo é mundo”.
Celso de Mello, ao decidir a reclamação 15243, “A liberdade de imprensa, qualificada por sua natureza essencialmente constitucional, (...) o direito de opinar, de criticar (ainda que de modo veemente), de buscar, de receber e de transmitir informações e ideias por quaisquer meios, ressalvada, no entanto, a possibilidade de intervenção judicial – necessariamente a posteriori”.
Poder-se-ia citar vários outros trechos de votos dos eminentes juristas.
Mas parece que alguma coisa mudou. Vários cidadãos, jornalistas ou não, ao criticar os ministros do STF, tiveram sua liberdade restringida, com prisões, proibições de publicações nas redes sociais ou desmonetização de seus canais midiáticos. Estas decisões, a meu ver equivocadas, começaram a partir do chamado inquérito das fake news, denominado pelo ministro Marco Aurélio como sendo o inquérito do fim do mundo e das milícias digitais.
Roberto Jefferson, mesmo com posicionamento contrário do Ministério Público e Procuradoria Geral da República, teve sua prisão decretada há quase um ano. Ao que se saiba, sem denúncia crime. A PGR, naquela ocasião, manifestou contra a prisão de Jefferson por compreender que “representaria uma censura prévia à liberdade de expressão”.
Allan dos Santos, jornalista, que possuía o canal no Youtuber, também teve sua prisão decretada, contrário ao parecer da procuradoria.
O deputado federal Daniel Silveira, hoje beneficiado com decreto de indulto/graça do presidente da República, a despeito de sua imunidade parlamentar, fora condenado há mais de 8 anos de reclusão.
Atualmente, próximo às eleições, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral e da Suprema Corte têm se posicionado de forma contrária a qualquer crítica ao sistema de votação através das urnas eletrônicas, como se fosse pecado mortal duvidar de sua confiabilidade.
O presidente do TSE, ministro Fachin, em reunião com advogados, deu declarações enfáticas, se não ameaçadoras àqueles que desacreditam ou criticam o sistema eleitoral. Disse ele: “A Justiça Eleitoral de todo país não cruzará os braços... a sociedade não tolera o negacionismo eleitoral. A agressão às urnas eletrônicas é um ataque aos votos dos mais pobres.”
No meu entender, as urnas eletrônicas são seguras e confiáveis, mas não vejo óbice em seu aperfeiçoamento. O voto auditável impresso teria jogado uma pá de cal a toda esta discussão e a descrença em nosso sistema eleitoral, pugnando por maior transparência para o eleitor.
O que não concordo é com a censura de não poder criticar os ataques do Judiciário àqueles que agem dessa maneira. O Tribunal Superior Eleitoral, responsável pela lisura das eleições, deveria fazer campanhas de esclarecimento da segurança das urnas, e não mandar recados em tom dominador aos seus críticos.
Não se pode conceber liberdade de expressão seletiva na qual os cidadãos podem se manifestar sobre qualquer ideia, menos criticar ministros da Suprema Corte ou as urnas eletrônicas.
A censura, além de emudecer o cidadão, amputa sua alma, a liberdade e a própria democracia.
Bady Curi Neto é advogado, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), professor universitário e fundador do Escritório Bady Curi Advocacia Empresarial.
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