Poucas vezes a ata do Conselho de Política Monetária (Copom) foi tão clara quanto a da 237.ª reunião, ocorrida nos dias 16 e 17 de março deste ano. Ela abre o texto exemplificando que a “injeção” de dinheiro, seja por políticas fiscais ou monetárias nas economias desenvolvidas no planeta, será continuada, o que de fato gerará oportunidades para a exportação de commodities brasileiras. Da mesma maneira, caso haja uma vacinação em massa no Brasil nos próximos meses, haverá uma considerável possibilidade de forte retomada econômica no segundo semestre, impedindo até que ocorra uma queda do PIB neste ano.
A reunião do Copom discutiu pacientemente sobre os riscos inflacionários de maneira clara e aberta, principalmente citando que a inflação já opera no limite superior do modelo de metas de inflação determinado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), caracterizado por bandas, o que no caso em análise significa uma meta de 3,75% em 2021 com banda inferior em 2,25% e banda superior em 5,25% ao ano.
Nesse contexto, o Banco Central determinou que, “baseado em todas essas considerações, o comitê concluiu que um ajuste inicial de 0,75 ponto porcentual na taxa Selic seria o mais adequado. Esse ajuste mais célere do grau de estímulo é compatível com o cumprimento da meta no horizonte relevante mesmo em um cenário de aumento temporário do isolamento social”.
Apesar de todas as críticas, principalmente por parte da mídia, de que o BC estaria sendo insensível com o período de recessão econômica vivenciado pelo Brasil, vale ressaltar que essa não é a missão do Banco Central, e sim do Ministério da Economia; trata-se de órgãos que, por mais que tenham características similares, possuem missões distintas e atuações independentes. Neste contexto, é importante lembrar que o BC objetivou na reunião passar uma clara mensagem de que está fortemente comprometido para combater a inflação, o que significa a manutenção do poder de compra do real, sua responsabilidade principal.
Nesse ponto, e pela própria conjuntura atual, muitas pessoas não conseguem entender: se estamos com uma economia no campo negativo, caminhando para recessão, qual é a lógica de aumentarmos os juros? Entendemos que isso irá nos atrapalhar ainda mais. Ora! Nesse sentido, o Banco Central visa nos tirar de um momento consideravelmente terrível sob o ponto de vista econômico, o da “estagflação”, quando se está ao mesmo tempo estagnado economicamente e com uma inflação crescente, tornando a nação incontrolável sob as óticas financeira e monetária.
É importante ressaltar que o BC já deixou seu “recado” para a próxima reunião quando informou que, “seguindo a mesma lógica, o comitê avaliou que, para a próxima reunião, seria adequada a continuação do processo de normalização parcial do estímulo monetário com outro ajuste da mesma magnitude. O Copom lembrou que essa visão para a próxima reunião pode ser alterada caso haja uma mudança significativa nas projeções de inflação ou no balanço de riscos, já que em última instância a decisão continuará dependendo da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação”.
A partir disso, já podemos esperar para a próxima reunião, tendo em vista que a inflação continua alta, uma taxa básica de juros de 3,5% ao ano. Entretanto, já existem conversas no mercado financeiro de que o BC pode aumentar a taxa de juros em 1 ou 1,25 ponto na próxima reunião. Nesse contexto, deveremos acompanhar uma maior captação de dólares na economia brasileira, derrubando a cotação da moeda norte-americana, o que de fato deverá também gerar um impacto positivo na queda da inflação.
Dessa forma, o Copom encerra sua ata informando que há, sim, um peso em suas decisões sobre a evolução da atividade econômica brasileira. Entretanto, ressalta sempre, mesmo nas entrelinhas, que o Banco Central deve focar suas energias sempre nas projeções e nas expectativas da inflação. A última ata do Copom mostra ao que veio a independência do BC e que não é hora para populismos quando se trata de combater a inflação, cujo controle foi uma conquista importantíssima dos brasileiros, e há um desejo constante de que continue assim. Quanto menor a inflação, melhor para todos!
Igor Macedo de Lucena é economista e empresário, doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa, membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política.