Deu na imprensa: duas mulheres, uma idosa e outra com uma criança no colo, discutiram em uma casa lotérica curitibana por causa da preferência de atendimento e o imbróglio acabou em bofetões. Enquanto isso, milhões de não-idosos e de não-mães-com-filho-no-colo esperam no Brasil todo que o novo sistema que a Caixa Econômica implantou há vários meses funcione decentemente, o que até agora não aconteceu, gerando filas intermináveis.
Parafraseando Ernst F. Schumacher, aquele do "Small is Beautiful", que costumava dizer que se Dante reescrevesse a Divina Comédia incluiria o trabalho em uma linha de montagem entre os suplícios infernais, digo que o poeta teria de incluir nos círculos do inferno um especialmente dedicado àqueles que fazem as pessoas sofrer nas filas de atendimento.
Ir pessoalmente a um banco é um dos maiores suplícios modernos. O sistema financeiro, ansioso para reduzir seus custos operacionais virtualmente eliminou o atendimento humano nas agências. O pobre coitado que tem de receber alguma coisa, fazer um pagamento ou resolver qualquer problema que não possa ser resolvida em uma impessoal caixa eletrônica ou envolva falar com alguém de carne e osso deve se preparar para filas irritantemente lentas atendidas por um número minúsculo de caixas que devem servir tanto à fila como também aos chamados "atendimentos preferenciais" dos idosos, gestantes e mães com crianças de colo. O que vou dizer é uma crueldade, mas fica-se torcendo intimamente para que nenhum integrante dessas valorosas categorias resolva tratar de seus problemas financeiros na mesma hora que você, pois caso contrário a sua espera é simplesmente infinita. E como a lei de Gerson continua a ser a única legislação que realmente pegou no Brasil, o abuso é inevitável. Outro dia eu estava em um banco quando chegou uma mãe com um filho no colo que contrariava a lógica: a julgar pelo tamanho dos dois, o filho é que devia carregar a mãe no colo e suspeito que ambos estivessem na agência para pagar a inscrição do pimpolho em um vestibular da Federal.
Outras vezes são pretensos idosos, pessoas que você conhece e que sabe não terem ainda completado os 60 anos, apesar da aparência envelhecida. Que fazer? Desmascarar o farsante? Nunca, pois o comentário na fila será inevitável: Que está acontecendo ? perguntará um. São dois velhos brigando responderá o outro. Ou seja, você terá sido transferido inapelavelmente para aquele grupo etário que, segundo o ex-bamerindiano Flavio Prestes, quando é atropelado merece a inevitável manchete: "Coletivo atropela o ancião". Dá vontade de dizer que ancião é a ... mas por coisa parecida o Materassi levou aquela cabeçada do Zidane, enquanto que a genitora do cabeceador, a doce senhora Malika, declarou à imprensa que, em vista do agravo queria os testículos do ofensor em um prato. É um preço alto demais para um lugar na fila.
O problema não está nos atendimentos preferenciais, pois é mais que justo que pessoas nessas condições não sejam obrigadas aos mesmos desconfortos físicos que se enfrenta com paciência e até bom humor quando se tem 20 anos. O problema está na absoluta indigência das estruturas de atendimento. Uma vez que essa situação é virtualmente geral em todos os setores em que existem oligopólios ou monopólios legais ou virtuais como é o caso dos bancos e das concessionárias de serviços públicos, para não falar nas filas da Previdência ou das agências governamentais que desafiam a paciência de qualquer Jó moderno, é preciso que haja algum tipo de reação por parte do poder público para evitar que a ganância descontrolada e a vontade de reduzir custos operacionais maltrate mais ainda os já maltratados cidadãos. No caso dos serviços financeiros, o Banco Central, que já premia os banqueiros com níveis de lucratividade nunca vistos no mundo, deveria coibir esse abuso ganancioso, obrigando os bancos a manter estruturas de atendimento compatíveis com o número de clientes ou de transações realizadas nas agências. Aqui no Paraná o problema ficou ainda mais sério com a briga entre o governo estadual e o Banco Itaú, o que está obrigando os funcionários públicos estaduais a abrir contas no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal absolutamente despreparados para atender a demanda adicional e que não parecem dispostos a se preparar para ela. Assim, os funcionários e os milhares de aposentados e pensionistas é que irão pagar a conta das desavenças entre o governo estadual e seu antigo banqueiro. De quebra, o número de atendimentos preferenciais aumentará e a fila geral que se dane.
A propósito: pela minha idade já estaria qualificado também para receber "atendimento preferencial". Por que não o faço? Dizem os inimigos que por puro narcisismo para fingir que tenho menos do que os meus bem vividos 64 anos.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Mestrado em organizações da FAE Business School.