Quando o novo governo declarou que botaria “um ponto final em todos os ativismos do Brasil”, não nos parecia que tal afirmação também se referia ao “ativismo fazendário”. Pois notas, portarias, soluções de consultas e pareces normativos que, sem compromisso com a legalidade ou com a Constituição, contrariam decisões da mais alta corte do país não merecem outra classificação senão a de ativismo. Não um ativismo legítimo e defensável que busca garantir e proteger direitos, mas um “ativismo às avessas” pautado pelo tolhimento de direitos, sendo o mais célebre a tentativa de esvaziamento da decisão do STF acerca da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, ocasião em que se levantou a bandeira da dicotomia “pago vs. debitado”.
O mais recente protesto organizado pelo Fisco se concretiza com a publicação do Parecer Normativo 5/18, que, a pretexto de apresentar “as principais repercussões (...) decorrentes da definição do conceito de insumos (...) estabelecida pela Primeira Seção do STJ”, milita pela restrição do alcance do julgamento em foco, e por conseguinte, de direito dos contribuintes.
Em abril do ano passado, o STJ definiu que, para fins de créditos de PIS/Cofins, as empresas podem considerar insumo tudo o que for essencial para o “exercício da sua atividade econômica”, tornando, com isso, ilegais duas instruções normativas da Receita Federal sobre o assunto, fato que foi considerado o primeiro passo na consolidação de um cenário mais favorável aos contribuintes.
As despesas incorridas pelas empresas dedicadas exclusivamente ao comércio não fariam jus à apuração de quaisquer créditos
Muito embora os ministros tenham deixado claro que as despesas passíveis de recuperação de créditos são aquelas relacionadas à atividade econômica da empresa, o Fisco insiste que, na verdade, a real intenção dos julgadores era a de limitar tais créditos ao processo de produção de bens ou de prestação de serviços, posição que passa pela assunção de que os membros de uma das mais altas cortes do país, além de alheios à realidade empresarial e aos conceitos jurídicos debatidos naquela ocasião, não sabem se expressar adequadamente no idioma pátrio.
Uma interpretação em consonância com o espírito arrecadador tão caro ao Fisco nos levaria à conclusão de que não seria alcançada pelo conceito de “insumo” a despesa que não pode ser identificada no “processo produtivo” de bens destinados à venda ou ligados à prestação de serviços, o que limita o alcance da decisão do STJ.
E mais: as despesas incorridas pelas empresas dedicadas exclusivamente ao comércio não fariam jus à apuração de quaisquer créditos, pois, aos olhos do Fisco, a aplicação do princípio da isonomia esculpido na Constituição (e que garante igualdade de tratamento entre contribuintes em situações semelhantes – comerciais e industriais, por exemplo) não passa de detalhe técnico e inconveniente à causa (arrecadatória).
A negação da realidade por parte do Fisco é tamanha que seu “manifesto” dá conta de tolher créditos já garantidos por tribunais cujos membros são compostos por agentes fazendários, a exemplo das decisões proferidas pelo Carf quanto ao frete intercompany e até mesmo pela própria Receita Federal, como é o caso das despesas com pesquisa e desenvolvimento.
No entanto, há uma série de despesas ligadas às fases “pré” e “pós” produção que são abrangidas pela decisão do STJ, na medida em que essenciais à atividade da empresa e sem as quais a mesma não pode ser levada a cabo; esse é o espírito da decisão que, de forma alguma, deve se curvar às conveniências e pretensões fiscais.
Muito embora seja possível identificar pontos positivos, como o reconhecimento de crédito quanto ao chamado “insumo do insumo”, o que possivelmente beneficiará empresas que produzem seus próprios insumos, a publicação do Parecer Normativo 5/18 indica que o Fisco pretende dar início a “discussão da discussão da decisão”, fato que obriga os contribuintes a, mais uma vez, organizarem-se para fazer valer direitos reconhecidos pelos tribunais superiores.