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Ativismo judicial é um termo técnico geralmente usado para descrever a atuação expansiva do Poder Judiciário de modo a interferir nas decisões de outros poderes (Executivo ou Legislativo). Muitos não dão importância ao fato, mas tal prática afeta o dia a dia das pessoas, das empresas, dos governantes, da economia de um país como um todo. Mas por quê?
O professor Scully, avaliando uma amostra de 155 países, estimou que aqueles dotados de boas instituições (definidas como “...sociedades politicamente abertas e comprometidas com a império da lei [rule of law], a propriedade privada e a alocação de recursos pelo mercado...”), apresentam crescimento três vezes mais veloz (em termos per capita) do que países com instituições precárias. Parece não ser esse o caso brasileiro, pois, segundo o Rule of Law Index da entidade World Justice Project, o Brasil, em 2020, ocupa a 67.ª posição entre 128 países no que diz respeito à adesão do governo e sistema judicial ao império da lei. Cabendo destacar que, nossas piores colocações referem-se ao respeito dos direitos fundamentais (devido processo legal, liberdade de expressão, direito à privacidade etc.) e efetividade do sistema judiciário na área criminal. Na economia, o Brasil também não apresenta uma situação diferente. A pesquisa Doing Business do Banco Mundial, que avalia a qualidade das regulações de negócios entre 190 países, posicionou o Brasil em 124.º nesse aspecto.
Tendo em vista a baixa performance brasileira nessas pesquisas, abre-se espaço para se investigar as causas do mau funcionamento das nossas instituições, especialmente da insegurança jurídica, ou seja, o famoso “custo Brasil”.
Nesse sentido, Castelar Pinheiro, pesquisador do IBRE/FGV, realizou duas pesquisas que merecem menção. Em uma delas, realizada em 2009 com gestores de um conjunto aleatório de empresas brasileiras, os resultados sugerem que o judiciário é visto como uma instituição relativamente parcial e cara, além de ser muito morosa. Outra pesquisa, de 2003, entrevista nesse caso os próprios juízes, cerca de 700. Em relação a questão da imprevisibilidade das decisões, dois problemas devem ser colocados: judicialização do conflito político e a politização do Judiciário.
Parte da responsabilidade é do Legislativo, já que este é muitas vezes incapaz de aprovar leis bem definidas de modo que a resolução de ambiguidades é transferida ao Judiciário. Mas outro ponto não é menos importante: a politização das decisões judiciais resulta de posicionamento dos juízes, quando decisões são tomadas para favorecer grupos sociais supostamente mais fracos ou ainda a visão política do juiz sobre a questão em disputa. Mais de 55% dos juízes apontam que decisões sobre privatizações e regulações de serviços públicos são influenciadas por suas visões políticas. Portanto, o juiz deixa de seguir as leis e passa a realizar ativismo judicial.
O ativismo judicial é perceptível nos casos em que a interpretação e aplicação da lei muda por decisão judicial, não legislativa; por exemplo, em poucos anos a mudança no entendimento da prisão em 2.ª instância ou, mais recente, o STF conceder poder aos prefeitos e governadores de decretar quarentena em razão do Covid-19, porém anular a decisão do prefeito de Londrina para a reabertura das atividades econômicas, assim como, em questão de dias, a Justiça do Rio de Janeiro anular a reabertura e depois autorizar o governo estadual nesse sentido.
Por fim, decisões judiciais que se referem a direitos civis e temas sociais podem ser discutidas à luz do ativismo jurídico: o caso da decisão do STF em equiparar a homofobia ao crime de racismo; decisões judiciais em alguns estados brasileiros que impediam manifestações de rua contrárias às medidas de isolamento social em razão do Covid-19 e o chamado “inquérito das fake news”. Será que o fórum mais adequado para discussão desses temas não seria o poder Legislativo?
O ativismo judicial é um problema porque confere imprevisibilidade às decisões judiciais. Um sistema judicial imprevisível acaba por corroer a confiança da população nas próprias instituições e, também, causam efeitos econômicos deletérios – pois, como investir se as leis e a interpretação delas mudam a todo tempo? Em razão da preservação do importante pilar que é o império da lei, é necessário um debate democrático e transparente sobre os limites do ativismo judicial.
Ari Francisco de Araujo Jr., economista e professor no Ibmec BH. Lucas Rodrigues Azambuja, sociólogo e professor no Ibmec BH.