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Um Estado policialesco pode ser definido como sendo um Estado que utiliza da força, da vigilância e da coerção exacerbada contra a população, principalmente com seus opositores. Esta perseguição nada mais é do que uma maneira de impor nefasta censura a determinados grupos, calando a voz da população e inibindo quaisquer críticas, que revelam uma forma de manifestação ao governo imposto ou mesmo eleito “democraticamente” (a exemplo da Venezuela).
O Brasil vivenciou em sua história esta experiência por duas vezes: no governo Vargas e durante o regime militar. E não se diga que foram desamparados legalmente. Os atos institucionais do regime militar davam “ares” de legalidade aos excessos praticados para prisões, perseguições e censuras. O Ato Institucional número 5/1968, em seu artigo 10º, por exemplo, suspendeu o remédio heroico (Habeas corpus) contra a ilegalidade de uma prisão nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
O poder de investigação não cabe ao Poder judiciário e muito menos promover política de monitoramento de redes sociais
Verifica-se, ao exemplo dos atos institucionais do regime militar, que o ordenamento normativo, por diversas vezes, somente vem a dar uma roupagem de legalidade a uma ilicitude praticada pelo Estado. A Constituição Federal de 1988, com a preocupação das experiências passadas e com olhos para o futuro, no intuito de preservar a democracia, preceituou que: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição.”
E, para garantir a liberdade de expressão, no inciso IV do art. 5º foi expresso: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. A carta magna, no e art. 220, §1º e §2º, estabeleceu, ainda, que a liberdade de manifestação do pensamento, criação, de expressão, vedando, inclusive, que futuras legislações contenham dispositivos que possam constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística, em qualquer veículo de comunicação social, e, vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. Evidente e desnecessário dizer que nenhum direito é absoluto, e contra aquele que violar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, é assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, além de responder por crimes quando for o caso.
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Com a evolução dos tempos e o surgimento das big techs, web e as redes sociais, a liberdade de expressão, de informação e de manifestação tomou novos rumos, em universo antes desconhecido e agora ao alcance de todos. A imediata liberdade de expressão, inclusive convocações para manifestações, trouxe consigo a necessidade de uma regulamentação e responsabilização dos usuários e das próprias redes sociais, tendo em vista a determinação constitucional contra o anonimato e a responsabilização daqueles que utilizam deste mecanismo tecnológico para o cometimento de ilícitos.
Um indivíduo não pode, por exemplo, criar um perfil falso para expor a vida privada, a honra e a imagem de terceiros ou cometer outras ilicitudes fugindo de sua responsabilização penal e civil pelo ato praticado. Não restam dúvidas que será uma matéria que o Estado legislador deverá enfrentar, com a parcimônia e cautela necessária, para que não se configure censura ou que voltemos a um Estado Policialesco.
Porém, as escusas desta necessidade, não pode haver um atropelo nas funções dos Poderes e o que parece que pode acontecer e está acontecendo, por vias diretas ou indiretas, com o Poder Judiciário, em ativismo judicial, mais precisamente o Supremo Tribunal Federal, imiscuindo nas atribuições do legislativo. Causou surpresa a fala do eminente presidente da nossa mais alta corte de Justiça, em palestra proferida no IX encontro do Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, ter, assim, abordado o tema, numa declaração que pode ser vista como defesa do ativismo judicial da corte: “Precisamos recuperar a civilidade perdida, de modo que vamos precisar, sim, da regulação das plataformas digitais. Espero e desejo que venha do Congresso. Em algum momento, vamos julgar aqui no Supremo se não vier”, disse o ministro..
Após a fala que deixa transparecer certa ameaça ao Congresso Nacional, o STF abriu edital licitatório no dia 14 de julho do corrente ano para contratar uma empresa para monitorar as redes sociais, quanto a conteúdos sobre a corte, identificando os tipos de público, formadores de opinião, o tipo de discurso e o georreferenciamento da origem das postagens. A empresa vencedora deverá enviar mensagens instantâneas à equipe do STF sobre os temas monitorados, com grande potencial de repercussão, incluindo sugestões e providências a serem tomadas.
Com a devida vênia, esta não é a função do STF ou qualquer instância da magistratura e ir contra isso é exercer o ativismo judicial. O poder de investigação não cabe ao Poder judiciário e muito menos promover política de monitoramento de redes sociais. Interessante que a própria corte já enfrentou o tema, ADPF 765, entendendo inconstitucionalidade de tais medidas.
Vale trazer ao conhecimento dos leitores parte do voto da ministra Cármen Lúcia, que assim decidiu: "Com recursos públicos, ao invés de se dar cumprimento ao comando republicano obrigatório de se promoverem políticas públicas no interesse de toda a sociedade, o Poder Executivo federal valeu-se da contratação de empresa para pesquisar redes sociais sobre a base de apoio — ou oposição — ao governo em posicionamento ilícito e, pior, em afronta direta a direitos fundamentais de algumas pessoas". Naquela ocasião, os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber acompanharam o voto citado.
Parece incoerente o entendimento adotado pelo STF na ADPF 765 e a abertura de licitação com exigências semelhantes como o de “alertas imediatos sobre temas com grande potencial de repercussão, incluindo providências a serem tomadas em tempo real”. Apesar de o STF ter respondidos às críticas, afirmando que os dados colhidos servirão apenas para o trabalho de comunicação e clipagem, não faz sentido a exigência supra referida. Parece, ao que tudo indica, pelo excesso de ativismo judicial que após vencermos o triste período do Estado policialesco, enfrentaremos um Estado “judicialesco”.
Bady Curi Neto, advogado fundador do Escritório Bady Curi Advocacia Empresarial, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) e professor universitário.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos