A prisão do jornalista ocorreu em dezembro de 2022 por ordem do ministro Alexandre de Moraes. MPF não encontrou provas de crime.| Foto: Arquivo pessoal/Jackson Rangel
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A imprensa nacional divulgou que pessoas no Espírito Santo foram presas em 15 de dezembro de 2022 por ordem do ministro do STF, Alexandre de Moraes, e permaneceram na prisão por mais de 12 meses (368 dias), sem denúncia, com pedidos de arquivamento da própria Procuradoria-Geral da República (PGR) e sem sequer serem ouvidas. Para se ter uma ideia, o Código de Processo Penal (CPP) fixa 10 dias para um inquérito ser concluído e 5 dias para o MP denunciar, em caso de réu preso. Passados 400 dias, os alvos foram soltos, do jeito que entraram, sem nenhuma prova produzida até hoje.

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Há uma inequívoca violação aos direitos humanos nesse caso. Dentre os presos, um jornalista com mais de 40 anos de profissão, algo que não se via desde a ditadura, com as prisões por opinião. Essa violação já começou com a subversão do devido processo legal na origem do procedimento: resulta de pedidos diretos da procuradora-geral do MP-ES a Moraes, o que é ilegal.

Na anormalidade institucional do país, quem é o guarda da esquina no caso do Espírito Santo? E quem de fato, afinal, está praticando atos antidemocráticos?

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O STF sempre anulou casos assim. Um exemplo é a “Operação SISTEMA$”, deflagrada em 2020 pela Lava Jato do RJ contra o então advogado e atual ministro do STF Zanin. Foi anulada pelo ministro Gilmar Mendes na Reclamação 43.479, sob argumento de que o MPF-RJ usurpou a atribuição do MP-RJ. O caso do ES é idêntico, só que em sentido contrário, do MP-ES usurpando atribuição da PGR. O princípio da igualdade assegura aos alvos do ES o mesmo direito de serem investigados pela autoridade competente conforme a lei, o que se chama princípio do promotor natural.

A PGR fez duras manifestações contra a procuradora, além de tê-la denunciado ao Conselho Nacional do Ministério Público. Também entrou com recurso imediatamente após as prisões, requerendo ao colegiado do STF o arquivamento do caso. Mais de um ano depois, o recurso segue sem previsão de pauta por Moraes.

A PGR, com razão, mencionou: 1) a usurpação de sua atribuição, tendo a procuradora agido contra lei federal expressa, que dispõe que somente a PGR atua diretamente no STF; 2) a inexistência dos crimes apontados; e 3) a tentativa de se criar uma nova frente investigatória com Moraes, para burlar uma decisão do próprio STF, que proibiu em 2021 a investigação dos alvos em um inquérito estadual requisitado diretamente pela mesma procuradora contra as mesmas pessoas, embora sem foro privilegiado. Essa suspensão ocorreu na Reclamação 47.792 a pedido da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a maior e mais antiga entidade de defesa da liberdade de imprensa no país. O princípio “Ne bis in idem” proíbe a existência de dois procedimentos criminais para investigar um mesmo fato.

A pedido da procuradora, Moraes também quebrou sigilos de 2017 a 2022, um longo período de seis anos. Sem relação com os fatos presentes, isso pode ser visto como uma prática de “fishing expedition” (pescaria de provas). É uma tática proibida pelo STF que consiste em procurar qualquer fato para implicar o alvo, ainda que não relacionado ao objeto original das apurações.

As pessoas que denunciavam corrupção estadual e omissão da procuradora desde 2019 foram subitamente apontadas como extremistas radicais e autores de atos antidemocráticos somente nas eleições de 2022, data da petição. A decisão só saiu em dezembro. Contudo, nunca acamparam em quartéis, nem participaram de nenhuma manifestação, não pediram a volta da ditadura, nem o fim do Estado de Direito, sequer fechamento das instituições e tampouco do STF. Também não se relacionam com o 8 de janeiro.

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Isso me faz lembrar da edição do AI-5, em 1968, durante a ditadura. Quando o então presidente Costa e Silva foi assinar aquele ato, o vice, um civil de nome Pedro Aleixo, contrário à medida, foi questionado se duvidava das mãos honradas do general, no que respondeu: “Jamais. Desconfio é do efeito desse ato sobre o comportamento do guarda da esquina”. O significado disso é que interesses locais se utilizam de qualquer ambiente de exceção para se tornarem relevantes, como ocorreu à época nos estados, cassando-se adversários políticos com o AI-5. Hoje, na anormalidade institucional do país, quem é o guarda da esquina no caso do Espírito Santo? E quem de fato, afinal, está praticando atos antidemocráticos?

Gabriel Quintão Coimbra é advogado.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]