Apesar de termos um povo muito solidário e otimista, uma pesquisa anual de opinião pública realizada em 18 países da América Latina (Latinobarômetro) aponta que apenas 4% dos brasileiros confiam realmente nas pessoas e em nossas instituições. As pessoas acreditam e se envolvem com aquilo que conhecem bem, desconfiando de tudo em que não têm participação ou proximidade. E esse nível de desconfiança do brasileiro no próprio brasileiro é, hoje, uma das grandes fragilidades para o desenvolvimento do país. Nesse contexto, quando pensamos na sociedade civil organizada, ainda há muitas críticas e questionamentos sobre ONGs e instituições cuja finalidade é o bem social comum. Devemos enxergar que as organizações sociais representam os anseios de uma sociedade. Nada mais legítimo do que a oportunidade de ter a liberdade de fundar uma organização e lutar por uma causa, seja ela qual for.
No Brasil, o maior crescimento das organizações do terceiro setor, em especial aquelas que financiam e viabilizam as doações, aconteceu na década de 90. O Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife) foi instituído como organização sem fins lucrativos, em 1995, e se tornou referência no país no tema do investimento social privado. São atualmente 160 associados que, somados, investem por volta de R$ 2,9 bilhões por ano na área social, operando projetos próprios ou viabilizando os de terceiros. Cada vez mais, esses associados têm aperfeiçoado e profissionalizado a gestão administrativa das organizações, assim como das iniciativas que realizam, investindo em equipes especializadas, na melhoria da governança, com ações embasadas em diagnósticos, em planejamento e avaliações.
Mesmo com o avanço desse trabalho mais estruturado e ordenado, é preciso seguir melhorando. Devemos pensar no que de fato sustenta uma comunidade saudável e colaborativa, qual rede de apoio individual, comunitária e governamental é necessária para garantir que essa sustentação seja eficaz, não deixando ninguém para trás. E isso passa, em especial, por cada um de nós perceber que é preciso fazer a sua parte, com uma atuação individual e coletiva, organizada e até profissionalizada.
A pandemia da Covid-19 descortinou uma situação triste: quando a sociedade não faz a sua parte, a população mais vulnerável é quem sofre, sob diversos pontos de vista – econômico, de saúde e educacional –, e com isso perdemos todos. Fragilizamo-nos como sociedade organizada. Precisamos que todos, de um modo geral, se engajem mais com as comunidades a que pertencem, considerando os demais moradores do condomínio, rua e do bairro, buscando mecanismos para se organizar dentro de sua própria comunidade.
Quanto mais atuação houver, vinda de todos os cantos, de pessoas físicas e jurídicas, mais cada um de nós conhecerá os problemas enfrentados e as dificuldades daqueles que já se dispuseram a atuar para solucioná-los. É certo que muitos que desejam colaborar não sabem por onde começar. Mas também é certo que não faltam oportunidades de atuação em rede, para se juntar a organizações que têm a expertise para isso, dedicando recursos, tempo ou talento à comunidade.
No Brasil, felizmente temos evoluído muito como sociedade civil organizada, é fato, mas ainda há muito por fazer. Que esse momento de dificuldades pelo qual todos passamos seja o catalisador de maior engajamento. Que esse período de pandemia nos estimule a refletir sobre como podemos aumentar nossa consciência social, nossa participação – enquanto empresa e enquanto cidadão – na nossa comunidade. Afinal, os efeitos benéficos desse tipo de comportamento se estendem não apenas a quem recebe a ajuda, mas também a quem pratica. Sentir-se útil e saber que está trabalhando por uma causa importante para outras pessoas produz reflexos importantes na nossa escala de evolução individual e coletiva, permitindo que se melhore a visão que se tem não apenas de si mesmo, mas de toda a humanidade.
Eliziane Gorniak é diretora do Instituto Positivo.
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