É preciso combater o débil acompanhamento das transferências financeiras operadas pelo governo e que, em muitos casos, beira à irresponsabilidade e atenta contra a inteligência e os interesses do cidadão

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Na ordem de preocupações da sociedade contemporânea está a construção de um Estado comprometido com a eficiência, a ética, a cidadania e as grandes mudanças ambientais do século 21. No entanto, um rápido diagnóstico da conjuntura do setor público demonstra um quadro decepcionante, afastado dos ideais republicanos e dos valores fundamentais de um aparelho estatal articulado para a execução de políticas públicas direcionadas para o desenvolvimento econômico e social.

O cenário da administração pública vem sendo assinalado por uma condenável sucessão de irregularidades que acabam por legitimar a deterioração dos procedimentos democráticos, numa combinação perversa que alcança todos os níveis de governo.

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Sem embargo dos princípios fundamentais de gestão pública, há um arriscado descontrole do processo decisório, que dá espaço à incompetência, aos abusos, às discricionariedades, à falta de transparência e à crença na impunidade que gera a facilidade e a despreocupação do mal-intencionado. Tudo isso fere a consciência do cidadão. Mas, por outro lado, fomenta o debate e o desenvolvimento de meios criativos sobre a mobilização da sociedade para o acompanhamento da gestão pública.

Democraticamente, o controle da atividade pública é exercido pelos tribunais de contas, controladorias gerais e Ministério Público. Esses organismos, contudo, atuam de forma isolada e, como tal, não compartilham banco de dados, informações, experiências operacionais, não realizam atuação conjunta e integração de objetivos institucionais.

Muitas vezes trabalham sobre o mesmo fato e com os mesmos objetivos, o que gera desperdício de potenciais e o favorecimento de técnicas sofisticadas de desvios de recursos públicos. Quem perde com isso é a sociedade, que vê suas expectativas e demandas jogadas na vala comum das práticas predatórias do dinheiro público.

Emerge desse quadro a figura da Auditoria Social, instrumento que objetiva avaliar, medir e controlar as políticas públicas direcionadas para o plano social e seus resultados em benefício do cidadão. Originária da sociedade civil, ela não possui a força coercitiva e nem o caráter sancionador dos órgãos regulares de controle, mas se propõe a atuar sobre a gestão política e de administração pública. Estruturada sob a forma de conselhos, observatórios, comitês, entidades de classe, acompanhará os programas, os procedimentos da entidade de governo, a qualidade dos serviços públicos, o aporte de recursos e a eficácia dos atos de gestão.

Ademais, exercerá o sentido de complementaridade das instituições de controle, num contexto de cidadania organizada e de participação coletiva, capaz de somar esforços para consolidar os níveis de confiança nas instituições públicas e ajudar a combater a ocorrência de abusos de poder, desvios de finalidades, fraudes, desperdícios e desrespeito ao bem comum. Os casos recentes de destinações irregulares de recursos para ONGs, amplamente denunciados pela mídia, dão a exata dimensão do papel da Auditoria Social como instrumento de promoção da participação da sociedade civil no controle da gestão pública.

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Longe de demonizar as ONGs – que são entidades intermediárias importantes para a complementação de programas governamentais – o fato tornou-se emblemático e revelador de que é preciso combater o débil acompanhamento das transferências financeiras operadas pelo governo e que, em muitos casos, beira à irresponsabilidade e atenta contra a inteligência e os interesses do cidadão.

A Auditoria Social já é executada em Honduras, México, Argentina e Colômbia e inclui a participação ativa das organizações da sociedade civil para acompanhar os resultados da gestão e os correspondentes meios para alcançá-los, constituindo-se num veículo para o fortalecimento da democracia, da luta contra a corrupção e em representação ao clamor da sociedade em relação à correta aplicação de recursos públicos.

Aí está, portanto, um novo ator a integrar e a fortalecer a rede de controle da gestão pública. No fundo, um forte aliado do exercício de participação popular e um instrumento para resgatar a confiança do cidadão nas instituições públicas. Afinal, as contas públicas são da nossa conta.

Fernando Guimarães é presidente do Tribunal de Contas do Paraná.