Ainda está na minha memória a panaceia criada por um de nossos governos passados, exigindo que todo veículo automotivo tivesse um estojo de pronto-atendimento, que na verdade era mais um estojo de curativos domésticos. Dava a impressão de que, ao encontrar um acidentado na estrada com um traumatismo craniano ou afundamento de tórax, qualquer um de nós desceria do nosso veículo munido de uma gaze, um rolo de esparadrapo e um frasco de antisséptico local para heroicamente salvar a vida daquela pobre criatura. Mas o fim cumpriu-se: milhares de pequenos e inúteis estojos de "curativos domiciliares" foram vendidos. Estamos nos acostumando a solicitações das autoridades sem que sejam ouvidos os profissionais de competência.

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Diariamente pessoas procuram seus médicos para uma avaliação cardiológica e liberação para prática de exercícios, exigências de academias que seguem a orientação dos órgãos públicos. As avaliações acabam em um exame clínico, em geral associado a um eletrocardiograma em repouso. De porte da tal avaliação, o indivíduo de 18 ou 60 anos inicia a prática das atividades, nem sempre tão moderadas como deveriam ser. Poucos meses depois, pode acabar em uma corrida de rua de 5 ou 10 quilômetros – afinal, o exame clínico afirmou aptidão. Só que não tão raro ficamos sabendo de casos de morte súbita em pessoas relativamente jovens durante a prática de atividade física. Recentemente aconteceu em Curitiba, mas isso é frequente em todo o mundo.

A história clínica e o eletrocardiograma são muito úteis, mas, infelizmente, são incapazes de descobrir toda doença cardiológica. Quando alterados, são precisos no diagnóstico. Mas, quando normais, não permitem excluir a doença, deixando o indivíduo sem a certeza de que não haja risco na prática das atividades, em especial as mais intensas. O coração, diferentemente de outros órgãos, pode alcançar cinco ou sete vezes seu consumo de oxigênio nos picos de exercício. Isso é suficiente para que pequenos problemas em estado de repouso transformem-se em risco imediato de vida nos momentos de exercício muito intenso.

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A avaliação cardiológica deve ser adaptada principalmente ao programa de exercício que se pretende para cada pessoa. Se olharmos um jovem de 25 anos que quer exercícios de desenvolvimento muscular e moderada atividade aeróbica, sua avaliação será totalmente diferente daquela do indivíduo acima de 45 anos pretendente a fazer um programa de corrida de rua. Neste último, até um teste de esforço simples pode ser insuficiente, dependendo de sua história genética. A decisão compete a um cardiologista – se possível, dedicado à área esportiva.

No início deste ano, a Câmara Municipal de São Paulo alterou a lei que obrigava os alunos a apresentar atestados médicos para se matricular em academias. A medida dividiu a opinião de médicos e foi, obviamente, apoiada pela entidade que representa os donos dos estabelecimentos. O novo texto prevê que apenas pessoas fora da faixa etária entre 15 e 69 anos apresentem o atestado médico no ato da matrícula. Os demais deverão responder a um questionário, que tem como finalidade identificar a necessidade de realizar exames antes do início da prática.

Ficam aqui meus conselhos: Primeiro, os exercícios têm por finalidade trazer o bem-estar físico e mental, além de prevenir a maioria das doenças cardiovasculares. Não os transformemos em perigosas armas contra nós mesmos. Segundo, atestados para prática de exercícios não são vacinas que por si só conseguirão evitar doenças. E, por fim, estojos de curativo são absolutamente inúteis em automóveis.

Luiz Fernando Kubrusly, cirurgião cardiovascular, é diretor clínico dos Hospitais Vita.