A permissão para que companhias estrangeiras quebrassem o ridículo monopólio até então existente e explorassem o mercado de cruzeiros marítimos no Brasil deve estar completando dez anos. Os pioneiros dos cruzeiros brasileiros ainda devem se horrorizar com as lembranças do festival de improvisação e de amadorismo que enfrentavam na hora de embarcar e desembarcar em terminais improvisados, administrados por gente despreparada, sem qualquer estrutura de apoio (nem mesmo um mero e prosaico banheiro limpo). As companhias, por sua vez, estavam lidando com turistas indisciplinados, pouco ou nada afeitos a horários ou a obedecer ordens dos tripulantes, incapazes de organizar e respeitar uma fila. O mago do bisturi Julio Uili Coelho, eu e milhares de outras vítimas (oops, passageiros) temos lembranças bem nítidas daqueles inesquecíveis momentos.

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Como em tudo ou quase tudo, o tamanho do mercado brasileiro se impôs e atualmente os navios de luxo fazem parte da paisagem do verão brasileiro em número sempre crescente. O turismo de cruzeiros se transformou em uma opção turística real: na noite de réveillon, sete deles se enfileiravam na frente da Praia de Copacabana para o espetáculo da passagem do ano. Mais de 16 mil turistas estavam a bordo, sem que fosse necessário criar um novo quarto de hotel para abrigá-los nem fazer qualquer investimento de monta para atendê-los. Justiça se faça, embarques agora são realizados de maneira confortável, o pessoal de terra e de bordo é claramente mais preparado e as rotinas de bordo foram levemente alteradas para atender ao tipo de turistas e veranistas que somos.

Agora que aprendemos a fazer os turistas se movimentarem de um lugar para outro em razoável conforto – ainda mais em comparação com o oitavo círculo do Inferno em que se tranformaram os aeroportos brasileiros e a extorsão dos hotéis da orla carioca –, está na hora de os empresários e autoridades públicas aprenderem a explorar o turismo e não o turista. A tradução mais próxima que se faz de turismo receptivo em Salvador, por exemplo, é um magote de vendedores ambulantes empurrando fitinhas do Bonfim e miçangas aos recém-chegados apalermados, enquanto dezenas de motoristas de táxi, aos berros, apregoam as maravilhas a serem visitadas. Sai-se da Bahia com aquela sensação de que aquela maravilha arquitetônica, natural e sociológica nos escapou entre os dedos por falta de um mínimo de atenção especializada e descomprometida com o mero assédio à carteira do turista.

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Pelo número e variedade de camisetas e cangas que constituem o grosso do comércio voltado para os forasteiros, é no Rio de Janeiro que deve ter nascido aquela frase que se vê mundo afora: "meus pais [ou sogros, cunhados...] foram ao Rio de Janeiro e a única coisa que me trouxeram foi esta camiseta ridícula!" Sem falar daquelas horríveis bonecas vestidas de bahianas ou abomináveis araras feitas com cristais de rocha.

O irônico nisso tudo é que temos os ingredientes fundamentais para ter um grande mercado de turismo: sol, mar, natureza pródiga, fauna e flora luxuriantes, algumas tradições culturais enraizadas como o carnaval, o Boi de Parintins, as festas religiosas e populares e agora o Natal de Gramado, da Serra Gaúcha e – finalmente – o de Curitiba. Agora só faltam os turistas: 1 bilhão de pessoas a cada ano vagam mundo afora em busca de novidade, de assunto para contar aos amigos e de experiências para espantar a monotonia de suas vidas: 25 milhões vão fazê-lo no Mexico; 70 milhões, em Paris; e menos de 6 milhões no Brasil...

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.