Governo e imprensa raramente convergem o que é ótimo para a democracia , porém, nesta sexta-feira, estavam afinadíssimos ao avaliar as manifestações do 15-M, o primeiro Dia Internacional de Lutas Contra a Copa: apoio reduzido e baixa adesão.
A utilização das jornadas de junho passado como base de comparação é um truque aritmético e retórico que não resiste a um exame mais atento dos fatos. A gigantesca participação em 2013 teve como alvo principal a inoperância do Congresso, corrupção, a precariedade dos serviços públicos, notadamente na esfera da saúde e transporte público. A Mini-Copa (das Confederações) não foi o alvo preferencial, entrou na pauta das demandas por contingência cronológica, deveria realizar-se dentro de poucas semanas e os novos estádios estavam no meio do caminho.
O pífio apoio obtido pelo 15-M não deve ser visto sob a ótica exclusivamente estatística. Até hoje pouco sabemos sobre o número de manifestantes que em 1789 foram a Versailles e depois percorreram Paris para derrubar a monarquia francesa, mas não restam dúvidas sobre a intensidade e a efetividade do histórico protesto.
Junho de 2013 foi acontecendo, rolando, se espraiando, ajudado pela repressão policial e pela catatonia do aparelho do Estado, enquanto o atual movimento anti-Copa, ainda que em dimensões experimentais, é organizado, tem estratégia, cronograma, desdobramentos, conexões. E um contexto político frenético, tanto no âmbito nacional, continental como internacional.
O agito deste maio enganosamente inexpressivo como o veem os otimistas tem algo de 1968, no início limitado, depois expandido pelo mimetismo de uma sociedade ainda analógica, porém intensamente politizada. Hoje, as ideologias são virais, instantâneas, contagiosas, fulminantes. Os estados de espírito transferem-se em alta velocidade; Caracas pode ser aqui e agora.
No ano passado, o então imbatível premiê Recep Erdogan começava a ser confrontado nas ruas de Istambul por ambientalistas, neste momento é bode expiatório, culpado até por fatalidades. Uma Ucrânia na ressaca da Revolução Laranja (em 2004), de repente despertou como campo de provas para um novo tipo de conflito bélico internacional, acionado por agentes provocadores e travado nas ruas por milícias mascaradas.
O mito do futebol idolatrado, inviolável, inatingível, inatacável despencou do pedestal. Tal como a China confrontada nas ruas de Saigon pelos vietnamitas. O impensável tornou-se possível. Isso pega, hoje tudo pega, basta um espirro.
As apressadas avaliações sobre o que aconteceu na última quinta não levam em conta que foi a primeira: até 12 de junho (quando a brazuca começar a rolar no gramado do Itaquerão, em São Paulo), há ainda três outras quintas-feiras. Cada uma estimulada pelas malfeitorias disponíveis no mercado da incivilidade: depredações estimuladas, greves ilegais, infiltrações partidárias e o suporte do crime organizado.
Cada um desses motins aumentará a tremenda pressão emocional sobre os 25 rapazes convocados para defender sozinhos nossos brios, cores, nossa capacidade de improvisar e, principalmente, o Esporte-Rei sequestrado pela corrupta multinacional chamada Fifa.
Alberto Dines é jornalista.
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