Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado debates políticos intensos que elevaram o termo "fascista" ao posto de adjetivo mais comum para rotular indivíduos radicais, independentemente de sua orientação política, seja de direita ou esquerda. Chamar alguém de "fascista" tornou-se o ápice da discórdia e, frequentemente, encerra qualquer possibilidade de diálogo construtivo entre pessoas com perspectivas políticas divergentes. O uso excessivo e muitas vezes equivocado deste termo suscita a questão fundamental: as pessoas compreendem realmente o que estão dizendo quando proferem a palavra "fascista"?
Muitas vezes, o termo "fascista" é aplicado de maneira superficial, sem uma compreensão real de seu significado. Hoje, ser rotulado como "fascista" parece depender unicamente da oposição a pautas progressistas, como casamento gay, descriminalização do aborto ou das drogas. Além disso, discordar de conquistas de pessoas que pertencem a minorias, mas têm afiliações políticas de direita, também pode resultar na aplicação desse rótulo. Isso demonstra que, na maioria das vezes, o alvo não é a posição política em si, mas sim a resistência a ideias opostas.
A banalização do termo "fascista" pode ter implicações ocultas, afastando-nos do entendimento preciso do que foi o fascismo e do real perigo que ele representou.
Para compreender adequadamente o termo "fascismo," é crucial recorrer a definições mais completas e precisas, como as encontradas no Dicionário Político de Bobbio. O fascismo é descrito como um sistema autoritário de dominação que envolve a monopolização da representação política por um partido único hierarquicamente organizado, uma ideologia que idolatra o líder, exalta a nação, rejeita o individualismo liberal e promove a colaboração de classes em oposição ao socialismo e comunismo. Além disso, o fascismo busca a expansão imperialista em nome das nações mais pobres, envolve a mobilização das massas, o aniquilamento de oposições por meio da violência e terror, bem como a manipulação da propaganda e um controle estatal crescente sobre a economia.
Essa definição nos leva a reconhecer que, embora haja pequenas nuances entre regimes extremistas, eles compartilham a maioria dessas características, independentemente de sua orientação política. Portanto, classificar o governo de Israel como fascista, por exemplo, é extremamente inadequado e chega a ser uma incoerência semântica, visto que os praticantes do judaísmo foram uma das principais vítimas de governos verdadeiramente fascistas.
No uso coloquial, o termo "fascismo" perde sua natureza substantiva e se transforma em um adjetivo que representa atos autoritários de repressão. No entanto, é relevante questionar por que o termo "fascismo" foi eleito para simbolizar essas características, em vez de termos como "comunismo", que compartilham características semelhantes quando reduzidos a esse quesito. Será que essa escolha possui uma inclinação ideológica? Poderia ser uma tentativa de estigmatizar não apenas o fascismo, mas também a direita como um todo?
Em conclusão, a banalização do termo "fascista" pode ter implicações políticas ocultas, afastando-nos do entendimento preciso do que foi o fascismo e do real perigo que ele representou. É crucial reconhecer que o uso inadequado desse termo não apenas enfraquece nossa capacidade crítica em relação a regimes autoritários, mas também pode ter sérias repercussões na esfera política. A necessidade de um diálogo mais construtivo e respeitoso em meio a divergências políticas é mais urgente do que nunca, e a utilização de rótulos imprecisos não contribui para a busca de soluções eficazes para os desafios políticos de nosso tempo.
André Moragas é jornalista; Ivan Marcondes é advogado.