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A política fiscal brasileira é o principal problema macroeconômico do país há alguns anos. Existem problemas estruturais e o debate sobre eles tem oscilado entre o ideológico e a síndrome do avestruz. Goste-se ou não, eles não irão sumir por conta própria e há um encontro marcado com a questão fiscal mais cedo ou mais tarde.

Nesse contexto, na terça-feira (21), o Banco Mundial entregou aos ministros Henrique Meirelles e Dyogo Oliveira um detalhado relatório sobre a Política Fiscal brasileira. O relatório havia sido encomendado pelo ex-ministro da fazenda Joaquim Levy. As linhas gerais foram oferecidas com clareza: o endividamento do governo (em porcentagem do PIB) não para de crescer; as despesas são crescentes (em porcentagem do PIB), ineficientes e focadas nos segmentos de maior renda da população.

Há um encontro marcado com a questão fiscal mais cedo ou mais tarde

Em 1988, os constituintes brasileiros, para proteger a sociedade do governo, resolveram estabelecer o mecanismo de vinculação de receitas a despesas, ou seja, o governo tornou-se obrigado a gastar um percentual mínimo de sua receita em rubricas específicas, como educação e saúde. Parece uma ótima ideia, ainda mais em uma sociedade que não confia no governo para decidir onde alocar os recursos públicos, mas traz problemas concretos. Afinal, ao se estabelecer um piso para despesas, cria-se um incentivo à ineficiência dos gastos, uma vez que se recursos públicos forem economizados, a Constituição estará sendo descumprida. Se o leitor já teve contato com qualquer órgão público, sabe que, quando o fim do ano se aproxima, recursos têm de ser torrados a toque de caixa para que não haja qualquer descumprimento constitucional.

Qual a alternativa? Desvincular totalmente receitas e despesas para que o congresso defina onde e como alocar os recursos públicos. O problema dessa solução é que não confiamos na maturidade institucional dos congressistas para lidar com tamanha liberdade. Com muito menos margem, já ocorreram experiências bastante desconfortáveis pelas decisões alocativas tomadas pelo Parlamento. Como a alternativa também não parece boa, o Brasil fez o que sabe de melhor: deu um jeitinho. Desde os anos 1990, existe a DRU, que desvincula uma parte dos recursos públicos, mas não tudo.

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Pelo lado das despesas, o principal problema tem nome: despesas obrigatórias, ou seja, aquelas que o governo não pode mexer, notadamente previdência e salários do funcionalismo. Essas despesas têm aumentado progressivamente sua participação nas despesas primárias totais do governo. Não é ideologia, é porcentagem básica. Isso tem como consequência uma diminuição na quantidade de recursos disponíveis para a realização de obras e políticas sociais. Como, em geral, as políticas públicas são vinculadas à receita e não podem ser cortadas, o orçamento estoura, o déficit público aumenta e o endividamento do governo também.

No caso dos salários no serviço público, o relatório do Banco Mundial traz colocações desconfortáveis: os servidores públicos federais ganham, em média, 67% a mais do que seus pares na iniciativa privada. Não há nada parecido em qualquer outro país. Ressalta-se que isso é a média, ou seja, o governo paga muito no todo e de forma profundamente desigual. O relatório não apontou problemas quanto ao número de servidores, mas sim quanto à média de suas remunerações.

No caso da Previdência, a marca da desigualdade é muito forte. O INSS paga para o trabalhador privado o benefício máximo de aproximadamente R$ 5.500 por mês. No funcionalismo, há carreiras com renda mensal de aposentadoria de até R$ 28 mil, caso de alguns do Legislativo federal. As aposentadorias também apresentam um volume alto no Judiciário federal, com uma média de mais de R$ 26 mil. Servidores sempre argumenta que são mais descontados do que os da iniciativa privada, o que é verdade, mas isso não ameniza o fato de que o Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos, incluindo militares, fechou o ano de 2016 com um déficit de R$ 77 bilhões, mais da metade do total do déficit do INSS, que fechou 2016 em R$ 151 bilhões, mesmo sendo significativamente menor o número de servidores aposentados do que do regime geral.

“É preciso encarar a reforma da Previdência”, “Não é possível que a idade média de aposentadoria das pessoas no país seja de 55 anos”. Essas são algumas declarações feitas pela ex-presidente Dilma Rousseff. “Acho que a previdência de tempos em tempos tem que ser reformada” disse o ex-presidente Lula. Fernando Henrique Cardoso reformou a previdência. Temer também está tentando reformá-la. Pode-se discutir qual reforma, mas ser contra qualquer reforma da previdência é desinformação, defesa do status quo da desigualdade ou má fé. Visto que existem problemas crônicos associados a benefícios elevados, o Banco Mundial defende a colocação de um imposto pesado sobre benefícios previdenciários muito altos.

Qual o risco no crescimento do endividamento com o aumento do déficit do governo? Qualquer governo paga a maior parte da dívida que está vencendo com nova dívida. Na prática, um problema surge se as pessoas não estiverem dispostas a continuar a financiá-lo. Caso isso aconteça, o governo terá duas alternativas: moratória, o que dificultará o financiamento do governo no futuro via juros maiores; ou emissão de moeda, que acelerará a inflação.

Sem dúvida, o título provocativo “Um Ajuste Justo: Uma Análise da Eficiência e da Equidade do Gasto Público no Brasil” ajudou a polemizar. Mesmo assim, para qualquer um que acompanhe seriamente a política fiscal brasileira, não foram exatamente uma surpresa as conclusões do Banco Mundial, estudadas em um ambiente econômico ainda mais favorável. Há questões sérias a ser enfrentadas. É insustentável um cenário de endividamento crescente do governo (em porcentagem do PIB) e de despesas cada vez maiores (em porcentagem do PIB), ineficientes e focadas nos segmentos de maior renda da população. E simplesmente negar o problema não ajuda.

Daniel Sousa é Economista do Ibmec e do Damásio Educacional e colunista do Podcast do Petit Journal.
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