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A discussão em torno da dívida do Banestado tem gerado comentários descabidos, alguns decorrentes da desinformação, outros embalados pela má-fé característica do oportunismo eleitoreiro.

Dez anos depois, ainda há os que acreditam – ou fingem acreditar – que a privatização do banco decorreu de um capricho do governo e não de uma decisão inescapável, imposta por uma conjuntura inexorável.

Todos sabem que o regime inflacionário encobria deficiências crônicas do sistema bancário brasileiro. Com o início do Plano Real, em 1994, da noite para o dia os bancos perderam os chamados ganhos inflacionários e entraram em dificuldades. O impacto foi mais forte nos bancos públicos, mas também atingiu duramente os privados.

Foi neste contexto que o governo federal criou o PROER, o programa para impedir uma quebra sistema do bancos privados. Pelo mesmo motivo, tempos depois, instituiu o PROES, voltado aos bancos estaduais. Duramente criticados na época, aqueles programas consolidaram o sistema financeiro brasileiro, hoje considerado dos mais sólidos do mundo. Agora, na crise internacional de 2008, autoridades monetárias de todos os continentes reconheceram o acerto daquelas decisões.

Entender esse processo permite enxergar com clareza o que aconteceu com o Banestado.

Em fins de 1994, dias antes de tomar posse como governador do Estado, o Banco Central nos informou da condição falimentar do Banestado, do Banespa e do Banerj, instituições em que pretendia intervir. Temendo que a intervenção fosse por demais ruinosa ao Estado, assumi o compromisso de sanear o banco. Assim, em 31 de dezembro de 1994, o BC anunciou a intervenção apenas no Banespa e no Banerj.

A exemplo do que fazia o governo federal com Banco do Brasil e Caixa Econômica, já nos primeiros meses de gestão também tivemos de capitalizar o Banestado. Mas os aportes que conseguíamos fazer com grande sacrifício eram insuficientes diante da situação em que herdamos o banco. Logo ficou claro que não havia qualquer possibilidade de salvá-lo. Foi nestas circunstâncias que aderimos ao PROES.

O governo federal, ao financiar o saneamento dos bancos estaduais, impôs condições. A principal delas era evitar que esses bancos con­­tinuassem sujeitos a interferências políticas, daí que exigia a privatização ou a federalização. Tanto na privatização como na federalização, a dívida decorrente do saneamento teria de ser assumida pelo Estado. Todos os estados se sujeitaram a esta regra. Foi a famosa renegociação das dívidas estaduais. Como se lembra, o governo federal financiou em trinta anos as dívidas e criou a Lei de Responsabilidade Fiscal, interrompendo um ciclo vicioso em que governos gastavam mais que podiam – frequentemente sacando a descoberto nos bancos públicos e deixando a bomba para os sucessores.

Optamos pela privatização, que acreditávamos mais vantajosa ao Estado. E de fato conseguimos um ágio de nada menos que 306%, com o banco sendo vendido ao Itaú por R$ 1,6 bilhão, valor este que foi imediatamente abatido da dívida contraída perante o governo federal.

A questão da multa imposta pelo governo federal ao Paraná pelo descumprimento de cláusulas do processo de saneamento e privatização do Banestado é posterior ao meu governo. Igualmente, ao cotejar o valor nominal da dívida atual com os valores de dez anos passados, é necessário considerar as correções, que são feitas com base na variação média das Letras do Tesouro Nacional, e as renegociações posteriores para fazer caixa ao Estado. Desconsiderar isso é incorrer em sofisma grosseiro, quando não mal-intencionado.

Afastado das disputas políticas desde que deixei o governo, raramente tenho me manifestado sobre o nosso Estado. Um pouco em função da atividade profissional, mas sobretudo pelo temperamento avesso a polêmicas, tenho me imposto o silêncio até ante ofensas injustificáveis. Mas não posso ouvir calado que tenha sido um crime a privatização.

Jaime Lerner, governador do Paraná de 1995 a 1999 e de 1999 a 2003, é urbanista

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