Uma das mudanças realizadas pela reforma política do ano passado foi encurtar o tempo de campanha eleitoral. Ela passou de quase 90 dias para 45 dias. Outro dia, comentei isto com um conhecido e ouvi como resposta um automático “Que bom!” Em geral, a primeira reação do cidadão é gostar da ideia. Menos tempo sendo importunado na tevê, com comícios, faixas nas ruas etc. Mas, se pensarmos bem, não é tão bom assim. Na verdade, nada bom.
Menos tempo de campanha significa que o candidato terá menos tempo para apresentar-se ao eleitor. Se em 2014 a campanha eleitoral começou em 6 de julho, neste ano começa em 16 de agosto. 40 dias a menos. Isto tende a favorecer dois grupos: os mandatários que já ocupam cargos e, portanto, já são conhecidos do eleitor; e os políticos (ou filhos de políticos, que carregam o sobrenome como marca) que já ocuparam cargos anteriormente, e também já são em alguma medida conhecidos pelo eleitor. Em resumo: aqueles que já estão dentro do sistema. Se antes, para um novato ou alguém em busca de renovação, era difícil “romper a bolha”, agora torna-se missão ainda mais árdua.
Para refrescar a memória, com 45 dias de campanha na última eleição presidencial Marina Silva era praticamente a líder (em uma ascendente, tinha 34% das intenções de voto, contra 35% de Dilma Rousseff, com Aécio Neves em um distante terceiro lugar, com 14%). No fim, Marina Silva nem foi ao segundo turno. Mais tempo dá a oportunidade aos eleitores de conhecerem melhor os candidatos e, eventualmente, até mudarem de ideia.
Podemos estar diante do mais acentuado retrocesso na política nos últimos 20 anos
Ter tempo para os candidatos apresentarem-se ao eleitor é importante. A atual campanha eleitoral nos Estados Unidos começou em abril do ano passado e as primeiras primárias só ocorreram agora, em fevereiro (dez meses depois). As eleições gerais ocorrem apenas em novembro. Ao todo, serão 19 meses de campanha eleitoral!
Barack Obama era relativamente desconhecido em nível nacional quando começou sua pré-campanha em 2007. Foi justamente uma campanha eleitoral de mais de um ano de duração que deu a ele a oportunidade de tornar-se conhecido, ganhar as primárias e, depois, tornar-se o primeiro negro a presidir os Estados Unidos. Se ele tivesse 45 dias para fazer sua campanha, você acha que ele teria conseguido chegar perto de onde chegou?
Mas ainda há outra questão, referente especificamente ao Legislativo. Na ciência política, existe uma classificação entre parlamentares de comportamento universalista ou paroquialista, em relação à sua atuação legislativa. O primeiro preocupa-se em defender causas mais gerais, seja bandeiras de segmentos específicos (minorias ou agronegócio, por exemplo) ou de grandes áreas (educação, impostos etc). Isso não está relacionado à ideologia e vale para todos os espectros ideológicos. O segundo não se preocupa com os chamados “grandes temas do Brasil”, mas sim em conseguir verbas e benefícios para sua região. É no deputado de comportamento paroquialista que muitas vezes se origina a política do toma-lá-dá-cá, com troca de votos por investimentos do governo em seu curral eleitoral.
O mais importante fator que define se o comportamento legislativo de um deputado vai ser universalista ou paroquialista é como ele se elege – isto é, se tem eleitores espalhados por todo o estado (ou município, no caso dos vereadores) ou se sua base eleitoral está concentrada em uma região geográfica específica. O professor Glauco Peres da Silva, da USP, mostrou com uma série histórica de 1994 a 2010 que, por causa do aumento da competição eleitoral, os deputados a cada ano estão se tornando mais universalistas. Ou seja, para conseguir se eleger, não adianta mais ficar no seu curral eleitoral; os candidatos precisam ampliar suas bases, dialogar com mais gente. Este comportamento é comprovado, estatisticamente, pela mudança no índice que mede a concentração regional de votos de cada deputado. Isso é algo bom para a qualidade do trabalho legislativo e para a democracia.
Mas agora, com uma campanha muito mais curta, os candidatos podem simplesmente não ter tempo para visitar todos os municípios (no caso de deputados) ou bairros (no caso de vereadores) que visitavam antes, retornando a um padrão de concentração regional na busca por eleitores. Podemos estar diante do mais acentuado retrocesso na política nos últimos 20 anos. Os resultados da eleição de vereadores e deputados a partir de votações regionalmente concentradas, do tipo paroquial, nós iremos conferir nos próximos anos, com as atuações nos legislativos.
Ironia máxima, esta realizada pelo Congresso Nacional: com a sociedade clamando por renovação na política, aprovaram uma medida que, de modo bem despercebido, dificulta ainda mais a renovação desejada.
A “boa” notícia desta redução do tempo de campanha é mesmo para o telespectador que não quer ter sua novela interrompida. No mais, infelizmente, ela parece ter poucos aspectos saudáveis à democracia.