Sempre que se fala em falta de caráter as pessoas se lembram de Macunaíma, personagem de Mário de Andrade. Aliás, vou confessar uma coisa que deve ficar só entre mim e o paciente leitor. Penei, e penei muito, para ler Macunaíma, o que só fiz por absoluta obrigação escolar. Desculpem-me os literatos e exegetas do modernismo brasileiro e do Movimento Antropofágico mas achei Macunaíma chatíssimo, talvez por não ter nenhuma familiaridade com as lendas nativas reelaboradas por Mário de Andrade; ou talvez por que o texto seja chato mesmo.

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Em matéria de demonstração de falta de caráter, prefiro uma personagem com o charme da Bebel, magistralmente interpretada pela Camila Pitanga na recém-falecida novela Paraíso Tropical. Caráter – pontifica mestre Antonio Houaiss – é segundo Heráclito, de Éfeso, "o conjunto definido de traços comportamentais e afetivos de um indivíduo, persistentes o bastante para determinar o seu destino". E a Bebel, quem diria, não acabou no Irajá, como Greta Garbo, e sim em Brasília, amante de um senador denunciado por maroteiras, depondo em uma CPI e fotografada nua em pelo nas páginas de uma revista masculina.

O senador, cujo nome não precisava ser lembrado na novela para evitar um processo judicial, evoca nos telespectadores lembranças de uma figura muito manjada na imprensa. No ambiente da CPI, enquanto o "senador" Denis Carvalho vocifera e sua vizinha, incrivelmente parecida com a senadora Heloísa Helena se agita, indignada, os demais se distraem conversando e atendendo celulares. Bebel reina soberana, não dando bola para os parlamentares e dialogando com um amigo no fundo do salão, como se estivesse num boteco de Ipanema, em absoluto descaso com o decoro e a "catiguria" do local. Esse é o Brasil puro, sem disfarces nem maquiagem.

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Já que não temos um Balzac para escrever a Comédia Humana na versão brasileira, temos de nos contentar com os roteiristas de novela, o folhetim eletrônico, a crítica dos costumes de nosso tempo. E só mesmo levando para o lado do humor escrachado para conviver com o que estamos assistindo em matéria de falta de compostura na área pública. O senador Wellington Salgado, que aliás não recebeu um único e miserável sufrágio dos eleitores mineiros para representá-los uma vez que é suplente do senador Hélio Costa, se descabela no sentido literal e figurado para dar ares de respeitabilidade às posições que vem assumindo no caso Renan Calheiros. Brigar com ele? Claro que não, com aquela cabeleira de Sansão e o físico de ex-professor de educação física, o homem é um perigo. Mas Jarbas Vasconcellos, esse sim aureolado por vários mandatos populares e respeitado por tudo o que fez e pelo que não fez na vida pública, conhece a terapia correta: rir-se dele, não levá-lo a sério. Só mesmo o escracho do descaso para tratar com certo tipo de gente.

O outro indignado defensor de Calheiros, senador Almeida Lima, não se sente desqualificado nem por tendenciosidade para relatar o processo que sofre seu amigo. Diz que não é "advogado" de Renan. Aliás não deve ser advogado mesmo pois se o fosse saberia que os magistrados e promotores freqüentemente se julgam impedidos de atuar em determinados casos não porque se sintam intelectual ou moralmente desqualificados para isso e sim porque não querem deixar que eventuais sentimentos que nutram em relação aos envolvidos influam na serenidade de seus julgamentos. Já que o nobre parlamentar não tem esse tipo de preocupação, resta esperar, embora não custe filosofar à moda do Barão de Itararé: de onde menos se espera, daí sim é que não sai coisa alguma...

Enquanto isso, as "madalenas arrependidas", como o senador Aloízio Mercadante – que trocou uma biografia promissora por um mero currículo ao se abster no julgamento anterior em meio a convolutas explicações –, agora vêem a besteira que fizeram com suas próprias carreiras políticas e tentam canhestramente remediar a omissão anterior. Em vão. Renan Calheiros fez deles instrumentos e agora já os descartou, pois está mostrando ao governo que ainda tem munição para fazer muitos estragos. Começou destronando Mangabeira Unger e agora já aquece a chapa para assar a batata das ONGs, começando por Santa Catarina, onde as "liaisons dangereuses" são óbvias, não é senadora?

Portanto, se é para ser assim, que o sejamos com charme. Se é para evocarmos o caráter dos patrícios, em vez de ficar chamando o testemunho do feíssimo Macunaíma, que o façamos com o que a raça brasileira tem de mais bonito: a morenice da Bebel.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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