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O governo Lulábia da Silva anunciou neste início de fevereiro um conjunto de medidas destinadas a dinamizar o setor de construção civil e criar melhores condições para edificação de moradias para a classe média e a de baixa renda.

Está prevista, para tal fim, a destinação de R$ 18,7 bilhões, entre recursos públicos e privados, sendo R$ 8,7 bilhões alocados à classe média, para financiar compra de imóvel e R$ 10 bilhões para programas habitacionais voltados às pessoas de baixa renda, aí incluídos R$ 1 bilhão a fim de subsidiar financiamento imobiliário para famílias de baixíssima renda.

Na parte tributária, a imprensa divulgou ter ocorrido resistência à amplitude das medidas principalmente por parte da tecnocracia fazendária, contaminada pela voracidade arrecadatória. Restringiu-se o elenco de medidas à redução do IPI do material de construção. Outras reduções de tributos que afetam significativamente os preços desses bens – PIS, CSLL, Cofins – não foram incluídas no pacote tributário, prejudicando, por conseqüência, a efetiva e relevante redução de seus preços.

Todavia, é de se reconhecer o avanço obtido, medíocre, é verdade, mas um avanço.

A habitação em relação ao ser humano é condição essencial à uma vida digna, e, portanto, considerou-se que ela deve ser beneficiada pelo princípio básico do IPI, na ótica social, o da sua seletividade em função da essencialidade do produto (art. 153 § 3.º, I, da C.F.).

Com efeito, aplicou-se finalmente à moradia e aos insumos destinados a sua edificação a orientação de reduzir a zero a alíquota dos principais produtos, como já havia sido feito, em outras épocas, com os utilizados no vestuário, alimentação, higiene, medicamentos.

Cerca de meia centena de produtos industrializados, relacionados no Decreto n.º 5.697, de 7 de fevereiro, foram abrangidos pela redução da alíquota do IPI, de 5% para zero, e de 10 ou 15%, para 5%.

A seletividade do IPI implica na variabilidade de suas alíquotas, fixadas a sua intensidade pela essencialidade do produto. Isso significa no ponto de vista social uma hierarquização classificatória desses bens, individualizando-os em categorias: essenciais, necessários, úteis, cômodos, supérfluos, nocivos. Na perspectiva econômica o emprego dessa seletividade indica que os bens de capital, vale dizer, máquinas necessárias ao funcionamento da produção devem ter baixa incidência, para facilitar o investimento. Nessa linha, matérias-primas, material de embalagem, insumos em geral, hão de merecer baixa ponderação, para não onerar o capital de giro da empresa, repercutindo no seu preço final, por ocasião da sua aquisição pelo consumidor.

Já passou da hora de superar a metodologia tradicional de aferir-se a essencialidade do produto, e fixar a calibragem da correspondente alíquota. Essa essencialidade não deve ser apurada apenas em relação às suas qualidades e características. Há que haver referibilidade à sua destinação, principalmente considerações a respeito seu consumidor. Em outros termos, a capacidade contributiva para o IPI não é apurada apenas em relação ao seu contribuinte por excelência, o industrial. Há que ser estabelecida em função do consumidor, pois é, afinal, quem vai absorver toda a carga tributária embutida no preço final do produto, ao adquiri-lo.

Centrando-se a operação na apuração da essencialidade no adquirente final do produto, o seu consumidor, é possível estabelecer uma variação de alíquota em relação a cada produto, conforme o padrão de consumo do seu adquirente, que não depende apenas do seu gosto ou inclinações pessoais, mas fundamentalmente da sua renda disponível.

O decreto antes mencionado reduziu a zero a alíquota de portas. Há vários tipos desse item: simples, trabalhadas, de material nobre. Conviria estabelecer a tabela de incidência vinculada a seu preço. Fixado, quando possível, o preço desse bem destinado ao consumidor de baixa renda ou de renda média, esse seria o limite dessa classe de portas, submetida à alíquota zero. A partir desse valor, se estabeleceria a alíquota positiva, crescente ou não, conforme os preços praticados na etapa industrial para as portas sofisticadas e de luxo.

Poder-se-ia objetar que os preços variam numa economia inflacionária. Alardeia-se o sucesso da sistemática de metas de inflação imposta pelo Banco Central. Está na hora, controlado razoavelmente esse fenômeno, haja finalmente benefício para a imensa maioria do povo.

A utilidade marginal para as pessoas de alta renda é baixíssima em relação à aquisição de uma porta submetida à alíquota zero. Para o pessoal de baixa ou média renda esse benefício é relevante. Vale, portanto, iniciar-se um novo processo de apuração de essencialidade dos produtos industrializados referido ao padrão de consumo do seu adquirente final, que vai absorver toda cadeia de incidência do IPI. A arrecadação decorrente dessa nova forma de apuração da seletividade propiciaria folga para se ampliar o elenco de produtos de baixa tributação para a classe trabalhadora e média do país. E refrearia as tentativas de aborto aos benefícios tributários que a turma do Palocci está sempre a tentar, acostumados a agradar ao FMI e ao pessoal do andar de cima. Se o presidente se emendar, poderá ser, de novo, guia do povo.

Osíris de Azevedo Lopes Filho é advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília – UnB – e ex-secretário da Receita Federal.

osirisfilho@azevedolopes.adv.br

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