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Bilhetagem eletrônica: os interesses especiais e o disfarce do interesse público

 | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
(Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo)

Nunca conheci quem subisse em um palanque e gritasse: “lutamos pelos nossos interesses individuais!” Todos que sobem num carro de som são altruístas. Estão lá pelos outros, não por si. Pelo menos é o que dizem.

Contudo, raramente as pessoas se mobilizam por interesses que não são seus. O que mobiliza os grupos de pressão é a defesa de interesses de classe. Entender isso é fundamental a qualquer análise política. Por baixo do glacê retórico, encontram-se os interesses. É humano. É compreensível. E é verdadeiro.

Semanas atrás, na frente da Câmara Municipal de Curitiba, o fenômeno pôde ser visto em todo o seu esplendor. O sindicato dos cobradores promovia manifestações contra o projeto de lei que permite a bilhetagem eletrônica. A ideia é permitir o pagamento por meios eletrônicos. E, por consequência, dispensar cobradores.

A perspectiva de perda de emprego mobilizou a classe. E deu curso à retórica de que proteger o cobrador é proteger o serviço de transporte público. Segundo o slogan do sindicato, “Todos em defesa dos empregos e da qualidade do transporte coletivo”.

Obrigar que os cobradores sejam utilizados significa que os usuários ou contribuintes deverão pagar por isso

A perspectiva realista impõe perguntar: será que é verdade? Barrar a bilhetagem é proteger o transporte e, por consequência, o usuário? Entre a retórica que apela ao sentimento e a realidade há um abismo. É fácil percebê-lo.

Primeiro, obrigar que os cobradores sejam utilizados em detrimento de alternativas tecnológicas significa que os usuários ou contribuintes deverão pagar por isso. Não à toa a classe representa 15% da tarifa aos bolsos dos passageiros. Em termos diretos, os usuários ou o Estado serão compelidos a subsidiar uma classe econômica cuja atuação se tornou desnecessária (como tantas outras no curso da história). Isso, por si só, já seria ruim. Mas o quadro ainda é pior.

O grande problema do transporte público é a diminuição do número de usuários ao longo do tempo. Isto encarece o serviço. Os custos do sistema são rateados pelo número de usuários. Quanto mais usuários, mais barato tende a ser o transporte. Ora, na medida em que a tarifa é mantida cara pela necessidade de proteger os interesses dos cobradores, isso afugenta usuários. Quanto mais cara a tarifa, maior é o estímulo para a utilização de meios alternativos de transporte. No limite, a imposição de custos desnecessários à tarifa põe cada vez mais em risco o transporte público.

À toda evidência, o interesse do serviço público é permitir que ele seja eficiente, inclusive para poder se aproximar das soluções privadas. Os cobradores lutam apenas por seus interesses. Nada de errado, é parte do jogo.

Visto isso, cumpre perguntar: os cobradores devem ser mais protegidos dos efeitos da inovação tecnológica que o resto da população? Devíamos obrigar o Estado a manter as locadoras de vídeo, em defesa dos empregos? E os fabricantes de vela teriam algo a reclamar? Enfim, a ideia é essa. É esse o verdadeiro debate.

O que querem os grupos de pressão é obrigar o resto da sociedade a garantir-lhes benefícios. E o fazem apelando à retórica da proteção de interesses de toda a sociedade. Esse processo costuma dar certo, pois grupos de pressão organizados tendem a ser mais efetivos na busca de seus interesses do que o resto da sociedade, que por definição é desmobilizada. Este é o jogo jogado todo dia: grupos disputando benefícios do Estado (ou seja, de todos nós), sob o argumento de que isso é o melhor para todos. Raramente é.

O que devíamos discutir em termos de política pública nesses casos não é tentar proteger determinadas classes da inovação tecnológica. Isso é ineficiente, quando não impossível. Devíamos pensar em como educar nossos jovens para se inserirem num mundo em que cada vez mais habilidades do homem serão substituídas pela máquina. Mas preferimos insistir na tentativa de tentar obrigar o Estado a frear o progresso.

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