A biometria neonatal é um direito de todos e está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) desde 1990, com o objetivo de garantir a segurança dos brasileiros desde o nascimento. Em 2018, a Portaria 248 do Ministério da Saúde, publicada em 2 de fevereiro, passou a exigir que as Declarações de Nascidos Vivos (DNV) fossem vinculadas ao registro biométrico do recém-nascido e de sua mãe. Apesar da legislação, os hospitais brasileiros esbarraram em dificuldades para cumprir a lei por falta de tecnologia eficiente para coleta neonatal de dados, além da crônica falta de investimento do governo em um sistema nacional de identificação.
Na prática, a grande maioria dos hospitais e maternidades utiliza o carimbo dos pés dos recém-nascidos na DNV. Pouco mais do que um borrão, o carimbo não apresenta qualidade que permita a leitura das impressões e a identificação indiscutível de cada indivíduo. Outro recurso são as pulseiras para mãe e filho. Extremamente vulneráveis, elas não impedem a troca de bebês por erro humano, e menos ainda protegem contra práticas criminosas como o sequestro. Infelizmente são recursos insuficientes para atender ao ECA.
A fragilidade do sistema de identificação nacional se expressa também na incapacidade do Estado de desenvolver uma metodologia única para todo o território nacional. Faltam padrões e processos, além de investimento em tecnologias que construam um sistema capaz de atender o que preconiza a legislação.
Esse quadro deságua em números assustadores. O Brasil registra pelo menos 50 mil desaparecimentos de crianças e adolescentes por ano e cerca de 500 bebês são trocados nas maternidades do país. São casos com poucas chances de identificação pela ausência de biometria de alta definição. Os números podem ser ainda maiores por causa da subnotificação. Estima-se ainda que quase 250 mil pessoas estejam desaparecidas no país. A última estatística é de 1999, quando o Ministério da Justiça e o Movimento Nacional de Direitos Humanos se juntaram para fazer um levantamento.
Sem um cadastro nacional, e sem comunicação sistematizada entre as secretarias de Segurança Pública de cada estado, não há como obter dados padronizados e atualizados.
E infelizmente esse não é um problema exclusivo do Brasil. A situação se repete mundo afora. Calcula-se que uma em cada quatro crianças não exista oficialmente, por causa do subregistro. Elas são privadas do marco inicial da cidadania e sofrem os piores efeitos dessa condição: 13 milhões de crianças deixam de ser vacinadas por ano no planeta e 6 milhões morrem por doenças que poderiam ser combatidas. Além disso, o subregistro facilita crimes como adoção ilegal, exploração sexual, trabalho escravo e venda de órgãos.
A biometria é o primeiro passo para a cidadania e essas estatísticas poderiam ser evitadas com a identificação biométrica já na maternidade. Cada impressão digital identifica uma única pessoa. Por isso, a biometria é usada nos principais documentos de identificação e é uma importante aliada na solução de crimes. As falhas na identificação biométrica acontecem em todo o mundo e contribuem para a vulnerabilidade do sistema, expondo a risco especialmente as crianças, que são as principais vítimas de sequestro, tráfico internacional para exploração sexual e adoção ilegal.
A boa notícia é que já existe tecnologia para a captura rápida e simplificada de digitais em alta definição desde o minuto zero de vida, inclusive dos prematuros, atendendo aos requisitos de compatibilidade, rastreabilidade, unicidade e segurança da informação. O Brasil sai na frente e é pioneiro no mundo na implementação desse sistema. Estados como Goiás, Pernambuco, Mato Grosso e Santa Catarina já colocaram em prática o uso da solução que é capaz de gerar um vínculo único entre recém-nascidos e mães ainda na maternidade. As informações coletadas são enviadas para as autoridades públicas. Tudo funciona por meio de inteligência artificial e os dados são armazenados de maneira segura.
O que precisamos agora é conscientizar mais hospitais e maternidades para que busquem soluções como essa para garantir a segurança das nossas crianças. A tecnologia já existe, é acessível e tem eficácia comprovada. Todos nós, cidadãos, pais e mães, temos o direito de exigir mais segurança desde o nascimento de nossos filhos. Essa é a minha luta e eu convido a todos para abraçar a causa. Nosso compromisso diário é difícil, mas viável: contribuir para tornar o mundo um lugar mais seguro.
Ismael Akyiama é CEO da Natosafe, empresa de tecnologias de identificação biométrica para crianças de 0 a 5 anos.