Podem soar repetitivas, neste momento, as críticas direcionadas à atuação do Supremo Tribunal Federal em relação às manifestações alegadamente antidemocráticas desencadeadas após a divulgação do resultado, pelo Tribunal Superior Eleitoral, das eleições presidenciais.
Neste contexto, contudo, há de se considerar que a disputa presidencial de 2022 foi um marco representativo para a história e política, em razão dos diversos interesses ideológicos conflitantes em jogo na marcha pelo alto escalão do Poder Executivo federal, com propostas e ideais contrapostos, e demasiadamente inflamados pela opinião popular, de ambos os lados.
É possível notar o crescente "etiquetamento" de empresários e outros sujeitos “socioeconomicamente ativos“ como ameaças para a manutenção da democracia.
Entretanto, apesar dos ânimos ardentes que marcaram o certame eleitoral, os brados que se amontoam nas ruas requisitando a intervenção militar, com o afastamento do Estado Democrático de Direito e a instalação de um regime de exceção não se justificam, sob pontos de vista coerentes, o argumento de salvação da pátria. E a história mostra isto.
Por outro lado, é de se analisar a postura que vem sendo adotada pela Corte maior, suprema guardiã da legalidade e dos postulados constitucionais que são, essencialmente, pilares da democracia, que se colocam em posição de combate frente ao desrespeito pelo sufrágio universal.
Os personagens que exercem o poder político têm, por adesão funcional, o dever de sustentar a democracia, repelindo as ameaças lançadas contra a sua estrutura, pautando-se nos princípios constitucionais e na preponderância do interesse público sobre o privado. Nessa linha, a prevalência das dimensões públicas em detrimento das privadas apresenta-se como um fator de extrema sensibilidade, sobretudo em tempos de excitação ideológica.
Isso porque o sufocamento das angústias pessoais em prol da satisfação do público – ou daquilo que é considerado como tal – na maioria das vezes vem acompanhado da revolta por parte daqueles que foram asfixiados, podendo acarretar, inclusive, no abalo da estrutura social, quando os atores atingidos possuem posição de destaque econômico ou, como gosta-se de definir, “pessoas socioeconomicamente ativas”.
Nessa lógica, é possível notar o crescente "etiquetamento" de empresários e outros sujeitos "socioeconomicamente ativos" como ameaças para a manutenção da democracia, envolvidos cada vez mais em escândalos objetivados por ataques as instituições públicas, utilizando-se de seu poder corporativo para financiar e influenciar os grupos delituosos. Em decorrência desse raciocínio associativo, algumas medidas questionáveis vêm sendo adotadas para legitimar fundamentos legítimos, porém ilegais, visto que desviados e excessivos aos limites no processo penal brasileiro, como é o caso do bloqueio de bens.
Importante frisar que o bloqueio de bens, na legislação processual penal brasileira, é limitado como medida cautelar que visa garantir o restabelecimento dos bens à vítima ou ao Estado ao final do processo, sendo cabível para ressarcir a vítima, ou para entregar ao estado bens ou valores de origem ilícita, conforme narra os artigos. 125 e 126 do Código de Processo Penal.
A vista disso, a utilização do bloqueio – tecnicamente conhecido como "sequestro" – para frear manifestações antidemocráticas é, apesar de legitimamente fundamentado, uma medida ilegal do ponto de vista das limitações pátrias em matéria processual, sendo necessário que se reflita acerca da narrativa colocada para validar a atuação desviada e excessiva contra atores sociais que, em atenta análise, promovem o crescimento socioeconômico do Estado.
Leonardo Tajaribe Jr., advogado criminalista, é especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM), pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM) e conselheiro jurídico da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ).