| Foto: Mauro Pimentel/AFP

No livro A Fúria dos Reis, pertencente à série As Crônicas de Gelo e Fogo, de J. R. R. Martin, há um diálogo fundamental entre dois inteligentes personagens: Varys, o eunuco, e Tyrion Lannister, o anão.

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“Varys se dirigindo a Tyrion lhe diz: – Posso deixá-lo com um pequeno enigma, Lorde Tyrion? – Não esperou resposta. – Numa sala estão sentados três grandes homens, um rei, um sacerdote e um homem rico com o seu ouro. Entre eles está um mercenário, um homem pequeno, de nascimento comum e sem grande inteligência. Cada um pede a ele para matar os outros dois. ‘Faça isso’, diz o rei, ‘pois eu sou o governante por direito’. ‘Faça isso’, diz o sacerdote, ‘pois estou ordenado em nome dos deuses’. ‘Faça isso”, diz o rico, ‘e todo este ouro será seu’. Agora, diga-me: Quem sobrevive e quem morre?

– O rei, o sacerdote, o rico... Quem sobrevive e quem morre? A quem obedecerá o mercenário? É um enigma sem resposta, ou melhor, com muitas respostas. Tudo depende do homem que tem a espada.

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– E, no entanto, ele não é ninguém – Varys concluiu. – Não tem uma coroa, nem ouro, nem o favor dos deuses, mas apenas um pedaço de aço afiado.

– Esse pedaço de aço é o poder da vida e da morte.

– Precisamente... E, no entanto, se são realmente os homens de armas que nos governam, por que fingimos que nossos reis têm poder?

Após um breve momento, Varys responde:

– O poder reside onde os homens acreditam que reside. Nem mais, nem menos.

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– Então o poder é um truque de mímica?

– Uma sombra na parede – Varys murmurou. Mas as sombras podem matar. E muitas vezes, um homem muito pequeno pode lançar uma sombra muito grande.”

Lamentavelmente, o mea culpa de Nassif não foi feito também por seus pares

Em 1992, o governo federal era presidido pelo alagoano Fernando Collor de Mello. O então presidente, em seus últimos suspiros, contratou Etevaldo Dias, respeitado comunicador da Veja e do Jornal do Brasil, para assessorá-lo, ser seu porta-voz, com a raivosa imprensa tupiniquim. Àquela altura, todavia, pouco poderia ser feito. O estrago, causado majoritariamente pelas falcatruas do caricato PC Farias e pelo instável – possivelmente psicótico – Pedro Collor, levou o governo às cordas do ringue. Trata-se, até hoje, de uma história mal explicada, esquisita, abarrotada de ilações e fantasias.

Em um artigo escrito há alguns anos, Luis Nassif (o próprio) admitiu os pecaminosos excessos cometidos nos variados meios de comunicação que cobriram Collor de Mello. Aos jornalões, escândalos de corrupção e crises econômicas não bastaram. Não. O espectro da libertinagem jornalística fez-se presente em muitas redações. Collor de Mello foi acusado, vejam só, de consumir supositórios de cocaína. Claro, um escândalo descoberto por meio de fontes anônimas. Tratava-se de uma forma de consumo e efeito rápidos e imperceptíveis. Não que Collor não almejasse holofotes, pelo contrário. De qualquer forma, houve excessos vexaminosos em diversos prismas. Lucrou-se muito com mentiras e suposições duvidosas, sem materialidade.

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Lamentavelmente, o mea culpa de Nassif não foi feito também por seus pares. Pouco se aprendeu desde então. Pelo contrário, houve um abandono massivo dos limites éticos e protocolares do jornalismo. Meus traços misantropos não me permitem calar. Uma parcela significativa dos veículos de comunicação deste país mantém as mesmas práticas daqueles tempos. Claro, guardadas as devidas proporções, o mundo mudou muito: em vez da venda de exemplares físicos, almeja-se um alto volume de cliques. Não obstante, claro, a linha editorial inequivocamente partidária, mesmo alegando isenção. Aos bons entendedores, a credibilidade de alguns jornais,hoje, equipara-se à do Diário da Causa Operária, jornaleco distribuído pelo PCO.

Rodrigo Constantino: O fenômeno Bolsonaro (publicado em 7 de outubro de 2018)

Leia também: A eleição e a importância dos temas morais (editorial de 10 de outubro de 2018)

A gestão Jair Bolsonaro – ainda debilitado fisicamente – nem sequer completou 100 dias, mas já há analistas – professores doutores pela USP e similares – alardeando fracasso e fascismo. Sua diagnose, evidentemente, é resultante de profundas análises sociais. Majoritariamente, são norteadas por uma profunda lucidez narcótica, frutos de muito tempo livre para a reflexão, marcadas pelo rigor científico e, inequivocadamente, produzidas em uma sala acadêmica equipada com ar-condicionado e cadeiras almofadadas de couro.

Inegavelmente, há problemas evidentes em alguns segmentos da estrutura federal, mas bem distantes do apocalipse alardeado. Um tuíte converteu sadomasoquistas em moralistas. O golden shower faz milagres. Em um país livre, é pedra angular a investigação e a análise crítica de veículos jornalísticos. Todavia, não houve, desde a redemocratização, um único eleito que não beijasse o anel do defunto Roberto Marinho e da Globo. Jair Bolsonaro foi o primeiro a romper com isso. O circo permanece armado, enquanto uma nova oposição articula-se. Lamentavelmente, caminhamos do supositório de cocaína para a goiabeira e as jabuticabas. Caso fosse brasileiro, talvez Lorde Tyrion adicionasse um quinto elemento à charada de Varys como sobreviventes: os herdeiros de Roberto Marinho. Quanto ao tamanho da sombra de Jair Bolsonaro, só o tempo dirá.

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Marcos Paulo Candeloro é cientista político e professor de Humanidades.