As democracias, mundo afora, vivem um momento difícil. A atual explosão de violência social nos Estados Unidos é ilustrativa: as angústias latentes do Covid-19, somando-se a fundas questões raciais, ao medo do desemprego e à ameaça da pobreza familiar, eclodiram com consequências ainda imprevisíveis. No campo político, uma liderança de choque, sem traços de empatia humana, potencializa as tensões no seio da sociedade civil, agravando divisões ao invés de unir o campo democrático. Por consequência, num estalar dos dedos, uma comunidade altamente civilizada mergulha em ondas de violência radical, bem expondo que a semente da bestialidade apenas requer uma fresta para lançar frutos de ódio e rancor.
Nesse contexto turbulento, o Brasil não é uma ilha, sofrendo naturais influxos das tendências globais. Os eventos ocorrido na noite de Curitiba despertam o alarme social, demonstrando que há pulsões latentes a espera de uma oportunidade obscura. No todo, não se brinca com a irracionalidade, pois seus danos podem ser duradouros ou irreversíveis. Logo, a hora exige atenção, honestidade intelectual e compromisso com o bem dos brasileiros.
No plano institucional, por sua personalidade extravagante, o presidente Bolsonaro atrai atenções, como se fosse o culpado por todos os males que afligem a nação. Ora, seria, no mínimo, leviano acusar um único homem como o algoz de um país continental, vitimado por problemas políticos complexos, crônicos e sistêmicos. Aliás, a complexidade de uma dada situação, antes de motivos lineares, deriva de um somatório de causas e concausas que, em seu amplo espectro, exige um conjunto de soluções hábeis, pragmáticas e efetivas.
Sim, os 13 anos de governo petista foram trágicos para o Brasil. Para se sustentar no poder após o mensalão, foi preciso instalar um sistema político corrupto profundo que beneficiou, ilicitamente, a muitos, mas acabou por demolir a espinha dorsal ética da República. O silêncio e a complacência daqueles que tinham o dever de falar e agir representam um eloquente depoimento covarde para que nunca mais nos esqueçamos de que, quando a voz da decência se ausenta da democracia, a política se sente autorizada a impor os piores abusos. E, de abuso em abuso, a honra das instituições vai sendo condenada ao pó.
Vendo a decadência em curso, Jair Messias Bolsonaro, de forma simples e sem lustro, passou a falar verdades entaladas em muitos lares brasileiros. Quando se viu, o som ganhou materialidade histórica para correr o páreo e vencer o pleito eleitoral. Constituído o governo com ótima e competente nominata inicial, alguns bons nomes começaram a cair por divergências naturais ou por temerários gestos de incompreensão e truculência política, as vezes recíproca ou não. Adicionalmente, a inesperada crise do coronavírus, além de forte pressão fiscal, gerou uma série de evitáveis tensões federativas que poderiam – e podem – ser melhor geridas em um clima de entendimento cordial e planejamento orgânico das medidas governativas necessárias à estabilização social em todo território nacional.
Uma vez feito presidente pela legítima vitória das urnas, está claro que o homem não é perfeito, assim como a democracia também não a é. Em tempo, as imperfeições dos governos e o inerente direito de crítica (liberdade de expressão) configuram a maior garantia democrática ao cidadão que, pelo livre e soberano exercício da palavra consciente, pode contribuir para o sucesso das instituições políticas constituídas. Afinal, só ditaduras se acham perfeitas no triste espetáculo de aprisionamento criminoso de liberdades públicas e privadas.
Assim, cabe à política democrática construir os caminhos do possível, a partir da firme rejeição de pretensões totalitárias de qualquer tipo. Definitivamente, ainda é hora de unir o Brasil em um projeto vencedor de desenvolvimento nacional e estratégica inserção na geopolítica mundial em vertical transformação. Antes de força, é preciso perícia; e, para além de conflitos, temos que privilegiar a razão. Afinal, como bem dizia Assis Brasil, o adversário de hoje é a matéria prima do aliado de amanhã. Democracia, portanto, é diálogo com diferentes e, não, muros intransponíveis entre iguais.
Por tudo, nosso dever é trabalhar na construção de um grande país, pautado por decência, respeito mútuo e institucional, liberdade econômica, legalidade e justiça social. Se cumprirmos como nosso dever, ao invés de culpados, seremos só, e somente só, brasileiros orgulhos e felizes de aqui viver.
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr., advogado, é conselheiro do Instituto Millenium.
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