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Bolsonaro e (ou contra) a máquina pública

 | Robson Vilalba/Thapcom
(Foto: Robson Vilalba/Thapcom)

A exemplo do que aconteceu em eleições anteriores, os principais debates do período de transição giraram em torno da composição da equipe do novo governo, da agenda de reformas econômicas a ser implementada a partir de janeiro, da nova arquitetura institucional dos ministérios e da base de apoio do novo presidente no Congresso Nacional. A partir dessa combinação de variáveis, a sociedade, o setor empresarial e o mercado financeiro alteram as suas expectativas e começam a se expressar de forma otimista ou pessimista com relação ao novo governo – o que se expressa, por exemplo, por uma aceleração ou uma desaceleração nos investimentos privados.

Há, porém, um aspecto que não é percebido por parte dos analistas de mercado, mas que é de fundamental importância para o sucesso do novo governo. Trata-se da máquina pública. Não há uma definição formal ou mesmo jurídica do que venha a ser a “máquina pública”, mas normalmente ela está associada a uma burocracia estatal já está instalada na administração pública e que permanece governo após governo.

Há quem denomine isso de “Estado” para poder diferenciá-lo de “governo”, cabendo ao primeiro assegurar que políticas públicas meritórias sejam implementadas independentemente do grupo político que tiver sido eleito naquele momento (o novo governo). Essa burocracia estatal permanente – o Estado – assegura a continuidade e a estabilidade da ação do poder público junto à sociedade.

O aspecto que não é percebido pelos agentes econômicos com relação à atuação da máquina pública é exatamente a resistência que ela poderá impor às propostas de mudança

Nesse contexto, uma das principais características da máquina pública é que ela tem uma cultura organizacional já consolidada, com papéis e dogmas bem definidos e com uma visão muito clara da forma como cada uma das políticas públicas deve ser conduzida. Essa é uma construção consolidada por décadas de trabalho sobre os diversos temas e que gerou, entre outros efeitos, uma legislação que reflete esses papéis e dogmas, já que são setores que normalmente são muito bem posicionados junto aos poderes Executivo e Legislativo e que conseguem impor a eles sua agenda de trabalho.

Um olhar inicial sobre essa questão poderia levar à conclusão de que essa estruturação é adequada em função dos aspectos de continuidade das políticas e de construção gradual de um legado de conhecimento e de instrumentos de atuação estatal. Há, porém, um aspecto que pouco abordado, mas ainda assim muito relevante para a sociedade: a baixa eficácia desse conjunto de papéis e dogmas.

Duas áreas em que essa questão se apresenta de forma clara são os setores de educação e de relações internacionais. Apesar da vultosa quantidade de recursos financeiros empregados pelos diversos entes da Federação na área de educação, o Brasil mantém um protagonismo negativo no setor, sendo um dos países mais mal avaliados nos diversos rankings internacionais de educação. Em média, nossas crianças interpretam textos de forma insatisfatória, têm conhecimentos insuficientes de matemática e não têm habilidade para se comunicar em outros idiomas. Ainda segundo padrões internacionais, gastamos proporcionalmente mais com a educação superior que com o ensino infantil e fundamental, em função de uma construção constitucional inadequada e do forte poder de mobilização dos atores da educação superior.

Nas relações internacionais, o Brasil adotou, nos últimos 20 anos, um foco nas relações com o Mercosul e com países menos representativos, em detrimento de outros tipos de acordos internacionais mais abrangentes e sofisticados. Nossa atuação no setor foi pautada menos pelo pragmatismo e técnica e mais por considerações de carácter ideológico, o que reduziu ainda mais a relevância do Brasil em termos geopolíticos, além de prejudicar a nossa economia, especialmente pelo nosso baixo grau de abertura comercial.

O aspecto que não é percebido pelos agentes econômicos com relação à atuação da máquina pública é exatamente a resistência que ela poderá impor às propostas de mudança trazidas pelo novo governo e que buscam aumentar a eficácia e o resultado final das políticas, especialmente porque essas propostas deverão questionar alguns dogmas e visões da atuação estatal que, apesar de trazerem resultados insatisfatórios e insuficientes, são consolidados na administração pública.

O novo governo terá de utilizar muita energia para trazer algum grau de autocrítica aos setores envolvidos e para reconstruir as estruturas e dogmas, além de substituir uma série de atores que defendem os dogmas atuais por outros com uma orientação técnica que leve o país a aumentar a eficácia da atuação estatal junto aos diversos setores, aumentando o grau de bem-estar de nossa sociedade.

Assim como na mitologia grega, em que Perseu decapitou Medusa para impedir que ela o transformasse em uma estátua de pedra, o novo governo terá de implementar reformas estruturantes com foco no aumento da eficácia, mas terá de fazer isso com energia e inteligência, sob pena de a máquina pública, assim como a Medusa, petrificar e inutilizar suas intenções e projetos.

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