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Bolsonaro, o STF e o inquérito da Covaxin

Ministra Rosa Weber
Ministra Rosa Weber, do STF. (Foto: STF)

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Sabe-se que o direito, acima de tudo, é uma ciência social. Em direito, a hermenêutica e a dialética afastam a ideia de uma verdade absoluta e imutável, permitindo, por conseguinte, que haja interpretação da norma ao fato e a constante evolução da sociedade. Este conceito amplo há de ser mitigado dependendo da área do direito e a própria vontade do legislador ao confeccionar a legislação. Tem-se como exemplo o Direito Penal, no qual não se admite interpretações analógicas do tipo (crime) descrito no ordenamento jurídico que rege a matéria.

Diante do pequeno introito, quando se discorda de uma decisão judicial, se faz no campo das ideias e não ao prolator do decisum.

Dias atrás, uma nova decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da lavra da ministra Rosa Werber, chamou especial atenção de leigos e operadores do direito no caso conhecido como o “inquérito Covaxin”. Nele, investigava-se se o presidente da República teria cometido algum crime nas compras da vacina indiana Covaxin. A investigação foi iniciada na Polícia Federal, a pedido da CPI da Covid-19, após um deputado ter dito que alertara Jair Bolsonaro sobre possíveis irregularidades na aquisição da vacina.

Após a investigação pela polícia judiciária, o delegado responsável, em seu relatório final, concluiu que o representante máximo da nação não cometera nenhum crime. O Ministério Público, titular da ação penal, ao examinar todo o inquérito, na esteira do relatório emitido pela Polícia Federal, chegou à mesmíssima conclusão, informando ainda que os órgãos fiscalizadores (Tribunal de Contas da União e Controladoria-Geral da União) analisaram os contratos da compra da vacina, não havendo nenhuma irregularidade. Neste diapasão, entendeu o procurador-geral da República pelo arquivamento do malfadado inquérito, e que não enxergara conduta irregular ou tipificada em nosso ordenamento jurídico penal cometida por Bolsonaro.

A ministra Rosa Weber indeferiu o arquivamento do inquérito, mesmo não sendo a titular da ação penal, diante do seguinte argumento: “ao ser diretamente notificado sobre a prática de crimes funcionais (consumados ou em andamento) nas dependências da administração federal direta, ao presidente da República não assiste a prerrogativa da inércia nem o direito à letargia”. Consta, ainda, na decisão, que “o Ministério Público é o senhor exclusivo da decisão sobre a existência, ou não, de justa causa para a instauração da persecutio criminis in judicio”, mas que “o modelo acusatório não outorga ao Ministério Público a função de intérprete definitivo das leis penais do país, tampouco subtrai do magistrado, em sede processual penal, o regular exercício da prática hermenêutica”. E concluiu: “longe de compelir o Parquet a agir em tal ou qual direção, o presente decisum limita-se a refutar o pretendido julgamento antecipado do mérito da causa penal”.

Com o devido respeito, em que pese as justificativas lançadas na decisão, alegações falaciosas, data vênia, eis que não se trata de interpretação da norma, mas da verificação se a conduta do presidente está tipificada no Código Penal ou não, competência constitucional do Ministério Público, titular da ação penal, repita-se. Se o órgão acusador não enxerga conduta delitiva, não pode o julgador interferir, mesmo porque, assim o fazendo, o que se pretende? Eternizar um inquérito ou compelir o Ministério Público a oferecer uma denúncia de um crime que entende inexistente?

Não se pode confundir o Estado acusador com o Estado juiz, sob pena de tornar o julgador parcial ou defenestrar o Estado Democrático de Direito, inaugurando a, renovada vênia, “ditadura da toga” e o Estado “judicialesco”. A função do juiz, por maior liberdade que possa ter ao julgar seu semelhante, mesmo os da suprema corte, também é vinculada à legislação posta, notadamente sua competência e a Constituição Federal. O excesso de subjetivismo ao interpretar a lei dá margem, quase sempre, ao nefasto ativismo judicial, quando não há usurpação da função dos demais poderes da República.

Bady Curi Neto é advogado, ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais e professor universitário.

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