O ex-presidente Jair Bolsonaro já foi indiciado no caso das joias e do cartão de vacina| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
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Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, está atualmente no centro de uma controvérsia jurídica que mais se assemelha a um teatro político do que a uma busca pela justiça. Acusado de receber presentes de luxo durante seu mandato, Bolsonaro se vê envolvido em um emaranhado de investigações que mais parecem uma caça às bruxas contemporânea. O que era para ser uma análise serena da legalidade dos atos se transformou em uma saga de perseguição, onde os objetivos parecem ser mais políticos do que jurídicos.

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Primeiramente, vamos relembrar o que está em jogo. Bolsonaro é acusado de peculato, um crime que envolve a apropriação indevida de bens públicos por um funcionário público. No entanto, a discussão sobre o que constitui um presente pessoal versus um presente de Estado parece ser mais interpretativa do que baseada em normas objetivas. Segundo a legislação e decisões do Tribunal de Contas da União (TCU), presentes recebidos em função do cargo devem ser incorporados ao patrimônio público. Até aí, tudo bem. Mas a forma como essa regra é aplicada parece depender mais de quem está sendo investigado do que das circunstâncias objetivas.

A questão dos presentes deveria ser tratada com a mesma serenidade e imparcialidade que qualquer outro caso similar, independentemente de quem esteja no centro da controvérsia

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Bolsonaro, assim como seus antecessores, recebeu presentes durante seu mandato. A diferença? A histeria coletiva que se seguiu quando a mídia descobriu que ele manteve alguns itens. Vale lembrar que os mesmos críticos não demonstraram tanto zelo quando Lula e Dilma Rousseff também tiveram suas controvérsias envolvendo presentes. Lula, inclusive, devolveu contêineres de presentes após sair da Presidência, mas sem a mesma fanfarra midiática. Bolsonaro também devolveu os presentes, mas parece que a sede por seu sangue político não foi saciada. A Polícia Federal continua as investigações, mesmo após o procurador-geral da República sugerir a competência do juízo de 1º grau de Guarulhos. Por que não parar por aí?

O tratamento dispensado a Bolsonaro pode ser descrito, no mínimo, como uma tentativa de demonização. Enquanto ele é retratado como o inimigo público número um, figuras políticas de inclinações semelhantes são tratadas com leniência ou até mesmo reverência. A Justiça brasileira, ao que parece, tem dois pesos e duas medidas quando se trata de avaliar a conduta de ex-presidentes.

A Decisão Normativa TCU 172/2016 estabelece que presentes de valor significativo recebidos por autoridades devem ser incorporados ao patrimônio público. Mas a questão central é: como definir "valor significativo"? E mais importante, quem decide isso? A subjetividade aqui é um prato cheio para interpretações convenientes, permitindo que adversários políticos usem a lei como uma arma de perseguição.

Talvez seja necessário recordar aos nossos diligentes investigadores que não estamos mais na época das monarquias absolutas, onde qualquer dissidência era tratada com a guilhotina. O Brasil é uma república, e a Justiça deveria ser cega, não seletiva. Se Bolsonaro deve ser responsabilizado, que o seja com base em provas claras e aplicação imparcial da lei, não por meio de uma maratona de investigações que têm mais a ver com vendetas políticas do que com a justiça.

O caso dos presentes de Bolsonaro exemplifica como a Justiça pode ser distorcida para servir a interesses políticos. A questão dos presentes deveria ser tratada com a mesma serenidade e imparcialidade que qualquer outro caso similar, independentemente de quem esteja no centro da controvérsia. A atual saga jurídica mais parece um circo montado para distrair o público enquanto as verdadeiras questões políticas e econômicas do país ficam em segundo plano. A Justiça brasileira deve refletir sobre seu papel e assegurar que não se torne uma ferramenta de perseguição política, mas sim um pilar de equidade e imparcialidade.

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Fabio Tavares Sobreira, professor de Direito Constitucional, é pós-graduado em Direito Público e mestrando em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Getúlio Vargas.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]