Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, está atualmente no centro de uma controvérsia jurídica que mais se assemelha a um teatro político do que a uma busca pela justiça. Acusado de receber presentes de luxo durante seu mandato, Bolsonaro se vê envolvido em um emaranhado de investigações que mais parecem uma caça às bruxas contemporânea. O que era para ser uma análise serena da legalidade dos atos se transformou em uma saga de perseguição, onde os objetivos parecem ser mais políticos do que jurídicos.
Primeiramente, vamos relembrar o que está em jogo. Bolsonaro é acusado de peculato, um crime que envolve a apropriação indevida de bens públicos por um funcionário público. No entanto, a discussão sobre o que constitui um presente pessoal versus um presente de Estado parece ser mais interpretativa do que baseada em normas objetivas. Segundo a legislação e decisões do Tribunal de Contas da União (TCU), presentes recebidos em função do cargo devem ser incorporados ao patrimônio público. Até aí, tudo bem. Mas a forma como essa regra é aplicada parece depender mais de quem está sendo investigado do que das circunstâncias objetivas.
A questão dos presentes deveria ser tratada com a mesma serenidade e imparcialidade que qualquer outro caso similar, independentemente de quem esteja no centro da controvérsia
Bolsonaro, assim como seus antecessores, recebeu presentes durante seu mandato. A diferença? A histeria coletiva que se seguiu quando a mídia descobriu que ele manteve alguns itens. Vale lembrar que os mesmos críticos não demonstraram tanto zelo quando Lula e Dilma Rousseff também tiveram suas controvérsias envolvendo presentes. Lula, inclusive, devolveu contêineres de presentes após sair da Presidência, mas sem a mesma fanfarra midiática. Bolsonaro também devolveu os presentes, mas parece que a sede por seu sangue político não foi saciada. A Polícia Federal continua as investigações, mesmo após o procurador-geral da República sugerir a competência do juízo de 1º grau de Guarulhos. Por que não parar por aí?
O tratamento dispensado a Bolsonaro pode ser descrito, no mínimo, como uma tentativa de demonização. Enquanto ele é retratado como o inimigo público número um, figuras políticas de inclinações semelhantes são tratadas com leniência ou até mesmo reverência. A Justiça brasileira, ao que parece, tem dois pesos e duas medidas quando se trata de avaliar a conduta de ex-presidentes.
A Decisão Normativa TCU 172/2016 estabelece que presentes de valor significativo recebidos por autoridades devem ser incorporados ao patrimônio público. Mas a questão central é: como definir "valor significativo"? E mais importante, quem decide isso? A subjetividade aqui é um prato cheio para interpretações convenientes, permitindo que adversários políticos usem a lei como uma arma de perseguição.
Talvez seja necessário recordar aos nossos diligentes investigadores que não estamos mais na época das monarquias absolutas, onde qualquer dissidência era tratada com a guilhotina. O Brasil é uma república, e a Justiça deveria ser cega, não seletiva. Se Bolsonaro deve ser responsabilizado, que o seja com base em provas claras e aplicação imparcial da lei, não por meio de uma maratona de investigações que têm mais a ver com vendetas políticas do que com a justiça.
O caso dos presentes de Bolsonaro exemplifica como a Justiça pode ser distorcida para servir a interesses políticos. A questão dos presentes deveria ser tratada com a mesma serenidade e imparcialidade que qualquer outro caso similar, independentemente de quem esteja no centro da controvérsia. A atual saga jurídica mais parece um circo montado para distrair o público enquanto as verdadeiras questões políticas e econômicas do país ficam em segundo plano. A Justiça brasileira deve refletir sobre seu papel e assegurar que não se torne uma ferramenta de perseguição política, mas sim um pilar de equidade e imparcialidade.
Fabio Tavares Sobreira, professor de Direito Constitucional, é pós-graduado em Direito Público e mestrando em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Getúlio Vargas.
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