O presente texto não se trata de torcida nem filosofia, tão somente de análise político-eleitoral.
Quando, há um ano e meio, eu disse que Bolsonaro era o favorito em todos os cenários, chamaram-me de louco. Na época, o que vingava era o famoso argumento sem base de que “ele está no teto” ou “não chega a 25%”. Eu respondia que 25% não era o teto, mas sim o piso eleitoral de Bolsonaro. E as bases que usei para essa afirmação persistem.
Em pesquisa do Datafolha à época, ficou claro que Jair Bolsonaro tinha mais força na classe média-média (de 2 a 5 salários mínimos), sobretudo por causa da classe emergente (de maioria cristã) e do médio funcionalismo público, mais notadamente militares e suas famílias. Ou seja, uma base eleitoral sólida que dificilmente mudaria o seu voto. A mesma pesquisa mostrou que, nos segmentos em que Bolsonaro era mais fraco e menos conhecido, tanto socialmente (classes baixas) quanto geograficamente (Norte e Nordeste), a tendência de adesão a teses de “viés autoritário” (termo utilizado pelo instituto), como “bandido bom é bandido morto”, “castração química” etc., era maior.
Por conclusão lógica: se Bolsonaro simplesmente passasse a ser conhecido por esse eleitorado, fatalmente subiria nas intenções de voto. Era questão de não errar.
Bolsonaro errou onde não poderia, mas seus adversários conseguiram errar mais
Os únicos empecilhos de Bolsonaro, a meu ver, eram: o risco de sua inabilidade política resultar em coligações desastrosas, que lhe tolheriam tempo de televisão e visibilidade para alcançar o novo nicho e ainda quebraria as pernas de sua política 1.0; e a candidatura de um outsider que ocupasse o seu lugar como o anti-PT ou como o “Homem do Fuzil”.
A primeira pedra no caminho veio em forma de montanha. O candidato não conseguiu o PR, não conseguiu o PSC e muito menos o Patriota. Tampouco conseguiu os candidatos a vice que queria: Magno Malta disse não, seguido pelo general Augusto Heleno e pela advogada do impeachment, Janaína Paschoal. Sua inabilidade política se revelou inédita: o líder nas pesquisas de intenção de votos não conseguiu convencer pessoas a aceitarem a vice-presidência, nem partidos para abrigar sua candidatura. Destruiu um partido, o Patriota, e acabou tendo de se refugiar no PSL, que à época tinha dois deputados federais – um suplente e outro cuja expulsão fora determinada, mas não realizada para que o partido não ficasse sem cadeira. O arranjo lhe rendeu míseros segundos de televisão.
De quebra, ainda proporcionou o episódio que ficou marcado como “a rasteira da velha política”, que culminou com a traição do então presidente do partido, Luciano Bivar, contra o próprio filho, que liderava a transição do PSL para Livres, o único genuíno movimento de renovação partidária ética e liberal do país. O Livres saiu do PSL e hoje é uma sólida associação de formação política com candidatos espalhados em partidos pelo Brasil.
Bolsonaro errou onde não poderia, mas seus adversários conseguiram errar mais.
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A segunda “pedra no caminho” esfarelou. O PSDB tinha o nome ideal para encarnar o “Homem do Fuzil”: João Doria. Marqueteiro nato, de fala dura, firme, acelerada e combativa. Mas Geraldo Alckmin foi escolhido candidato à Presidência pelo partido. Um homem de fala calma, ponderada, sem a energia que o momento impõe, mas nem tudo estava perdido. Alckmin ainda era o governador do maior e mais seguro estado do país, com a proeza de 8 homicídios a cada 100 mil habitantes. Mais seguro que Santa Catarina e que muitas grandes cidades dos Estados Unidos. Era só usar a estratégia certa. Em vez disso, se juntou aos outros candidatos e quis ganhar o eleitorado apaixonado de Bolsonaro atacando justamente os atributos que mais os comovem: a força e o belicismo. Erro fatal. Foi escanteado.
Os ataques deram espaço a Bolsonaro no tempo de televisão dos próprios adversários. O “fale mal, mas fale de mim” é real. Uma regra básica do consagrado e amaldiçoado Roger Stone, marqueteiro de Nixon, Reagan e Donald Trump. O público que não o conhecia e que tenderia a aderir a suas teses passou a conhecê-lo pelos jornais e pelos programas de televisão dos adversários.
Somando-se a isso, veio a facada. A estupidez do complô de quem quer que seja que tentou matá-lo resultou em sua superexibição a todo tempo em todos os jornais do país – para completar: na posição de vítima. Uma vítima enferma atacada por todos adversários. Não poderia ser mais perfeito.
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Fernando Haddad, do PT, se firmou como segundo colocado nas intenções de voto. Caso tivesse optado por apoiar outra candidatura, talvez Lula e sua turma tivessem chance. Outro erro fatal. O antipetismo, mais que justificado por anos de degeneração moral e política e pelo descalabro econômico que levou milhões ao desemprego, aflorou com tudo.
O chamado voto útil é regra. Os defeitos de Bolsonaro naturalmente encolhem e as pessoas farão de tudo para derrotar o PT. Grupos empresariais, artistas, setor agrário e o mercado financeiro, tranquilizado pela boa equipe econômica capitaneada por Paulo Guedes, entraram de cabeça na campanha.
A destruição de países como a Venezuela pelo bolivarianismo abriu espaço para a onda conservadora/liberal, que se afirma de país em país na América Latina. Chile, Peru, Colômbia, Argentina. No Brasil, Bolsonaro conseguiu êxito em identificar a lacuna e se afirmar como representante desse movimento, coisa que o establishment político também deixou passar batido.
Querendo ou não, o fenômeno Jair Bolsonaro é espontâneo, democrático, orgânico e seu favoritismo estava claro havia muito tempo. O ego e a soberba de petistas e tucanos é que não enxergaram.
A onda perfeita se formou, Bolsonaro surfará e será eleito. A depender de seu tamanho, no primeiro turno.