Jair Bolsonaro tomou posse na semana passada, tornando-se assim o novo presidente do Brasil; Nicolás Maduro, tendo assumido o poder depois da morte de Hugo Chávez, em 2013, será empossado para o segundo mandato de seis anos em 10 de janeiro. Os dois casos ilustram bem as ameaças que a democracia, o alinhamento internacional e a unidade latino-americanos estão sofrendo.
Bolsonaro é um ex-militar fanático da extrema-direita, responsável por declarações incendiárias sobre quase tudo, desde os direitos dos gays às mulheres, passando pelos negros e Donald Trump. Foi eleito graças a uma onda anticorrupção e o sentimento de repúdio à situação política atual, agravada pelo desencanto geral com a altíssima criminalidade (embora a própria família já tenha sido acusada de corrupção). E, antes mesmo de assumir, já comprou brigas com outros líderes da região, “desconvidando” Maduro e Miguel Díaz-Canel, presidente de Cuba, para a cerimônia de posse, além de praticamente ter rompido relações diplomáticas com a Venezuela.
O ministro das Relações Exteriores daquele país, Jorge Arreaza, afirmou que Maduro “nunca sequer cogitou comparecer” à cerimônia, da mesma forma que poucos serão os convidados prestigiando o venezuelano em sua própria festa. O Grupo de Lima, a União Europeia e vários outros países se recusaram a reconhecer a legitimidade de sua reeleição; somente cubanos, bolivianos, nicaraguenses e salvadorenhos estarão entre os convidados regionais, e talvez um enviado do novo governo mexicano, cuja simpatia pelo presidente venezuelano é clara, embora prefira ser discreto a respeito.
Além de ter realizado eleições fraudulentas, Maduro violou explicitamente os direitos humanos, acabou com a economia de seu país e gerou uma crise humanitária
Além de ter realizado eleições fraudulentas, Maduro violou explicitamente os direitos humanos, acabou com a economia de seu país e gerou uma crise humanitária que forçou quase 3 milhões de conterrâneos seus ao exílio. Com a baixa dos preços do petróleo, único produto de exportação da Venezuela, o país deve mergulhar ainda mais fundo no caos.
As características pessoais e políticas desses dois líderes, empossados com dias de diferença, são garantia de um desastre.
Bolsonaro, embora eleito democraticamente, demonstra inclinações autoritárias. Prometeu mais leniência em relação a policiais e soldados que abrirem fogo contra suspeitos armados, e se disse a favor da instauração da pena de morte. Quer lançar mão de um decreto permitindo que praticamente qualquer pessoa possa comprar uma arma, incluindo as automáticas, o que, consequentemente, armaria a população inteira.
Também ameaça tirar o Brasil do Mercosul – bloco que inclui Argentina, Uruguai e Paraguai – e do acordo climático de Paris, e já saiu do Pacto Global por uma Migração Segura. O ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Onyx Lorenzoni, prometeu “limpar” o governo de todos os funcionários com “ideias socialistas e comunistas”, referindo-se aos membros do Partido dos Trabalhadores dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, mas o pior mesmo foi o novo presidente ter retirado a população LGBT das diretrizes dos direitos humanos.
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Já Maduro militarizou todas as instituições da Venezuela, incluindo os supermercados. Entregou armamento automático para suas milícias e para os grupos paramilitares conhecidos como “colectivos”. Continua a apoiar Bolívia e Nicarágua com o dinheiro do petróleo e voltou a gerar tensões em relação à Colômbia, cujo novo presidente, Iván Duque, acusou o vizinho de despachar assassinos para matá-lo. Originalmente, o chavista foi eleito de maneira mais ou menos democrática, mas agora faz parte de um grupo crescente de líderes autoritários que exercem o poder na América Latina de forma totalmente não democrática.
Embora Maduro seja de extrema-esquerda e Bolsonaro, de extrema-direita, ambos são semelhantes no autoritarismo, e o confronto entre líderes que têm personalidades tão parecidas é um conflito anunciado. Há milhares de venezuelanos no Brasil e na Colômbia; tanto Bolsonaro como Duque detestam Maduro; ambos simpatizam com Trump, que, por sua vez, simpatiza com eles. Uma movimentação mínima dos exércitos das duas nações, com o apoio mais ou menos explícito dos EUA, é cada vez mais provável, principalmente com a guinada para a direita da região.
A Aliança do Pacífico, integrada por Colômbia, Chile, Peru e México, agora conta com três líderes de centro-direita. A Argentina, à beira da enésima crise financeira, apesar de tudo, deve reeleger o conservador Mauricio Macri. Somente o Uruguai, a Nicarágua e a Bolívia são sobreviventes do regime esquerdista da “onda rosa”, que durou do início do século 21 até 2015. O México, com seu novo regime de centro-esquerda, deve se sentir cada vez mais isolado na região, já tendo de lidar com inúmeros conflitos com os EUA.
Tanto Bolsonaro como Duque detestam Maduro; ambos simpatizam com Trump, que, por sua vez, simpatiza com eles
Com tudo isso, o prognóstico para a América Latina não é nada bom. De 2003 a 2012, a região passou por um longo período de crescimento sólido, amplamente financiado pelos preços valorizados das commodities. A seguir, veio a desaceleração, quando os preços caíram e os escândalos passaram a pipocar praticamente em todo lugar. Apesar disso, as instituições aguentaram firme na maioria dos países; a democracia só passou a se ver ameaçada pelos líderes que desejavam se perpetuar no poder por meios eleitorais, ainda que dúbios.
Isso está começando a mudar, e os sinais de alerta são óbvios: regimes autoritários esquerdistas na Nicarágua e na Venezuela; um presidente brasileiro de direita que começou a instaurar ideias neofascistas com uma velocidade surpreendente; um presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, que olha só para o próprio umbigo, com pouca disposição para defender os direitos humanos e a democracia do continente, ele também suscetível às armadilhas do autoritarismo; um presidente boliviano, Evo Morales, que pretende este ano emplacar seu quarto mandato de cinco anos, o que o manteria no poder durante duas décadas. O colapso das instituições democráticas e do respeito pelos direitos humanos na América Latina não é mais inimaginável.
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A grande ausência nisso tudo, talvez para melhor que para pior, é a de Washington. É quase certo que os EUA não se envolverão em nenhuma dessas crises em potencial ou já em desenvolvimento, exceto talvez para encorajar, ainda que desajeitadamente, Colômbia e Brasil a depor Maduro à força – mas certamente não vão tentar demover o hemisfério dessas tentações autoritárias, nem tentar imputar-lhe uma responsabilidade maior.
Dada a tendência inata de Trump a piorar tudo o que já está ruim, isso talvez não seja de todo mau – mas a passividade dos EUA implica um contrapeso a menos em uma região que tem de contar com todo o equilíbrio que puder alcançar.