O resultado das recentes eleições revelou 1) exaustão do modelo arcaico de aglutinação desenfreada de partidos políticos em torno de um nome e 2) repúdio ao partido que comandou o país por mais de uma década. Não por acaso, surgiu uma voz de reação a tal exaustão e repúdio. Muitos não votaram a favor do presidente eleito, mas contra o modelo existente que transformou o Brasil de Cinderela em Gata Borralheira em curto espaço de tempo.
O que se percebe hoje daqueles que, por uma razão ou outra, votaram em Bolsonaro é um otimismo contido, sobretudo no front econômico e de combate à corrupção. Já daqueles que votaram contra, parece haver uma torcida menos contida por erros e rajadas verbais, sobretudo na questão dos direitos sociais e exageros do Estado no combate ao crime para alçarem voz que se trata mesmo de um radical de extrema direita. Seja lá o que for, o fato é que o presidente eleito o é de todos e para todos os brasileiros. Merece pois a torcida – extensiva a todos os governos estaduais – para acertar.
Mas, sobre o novo presidente pesam abissais responsabilidades para tirar da UTI um continental país, dividido e machucado com tanto mal exemplo. A hercúlea missão deverá ser cumprida debaixo do Estado de Direito, com respeito à divisão independente e harmônica dos poderes. E aqui os 11 ministros do STF têm papel fundamental como zeladores supremos da Constituição. Já o Congresso, do qual foram defenestrados caciques políticos com limo de poder, se espera uma atuação mais serena em prol do país, no lugar de priorizar interesses pessoais e grupais.
Infelizmente, pelo sistema político-partidário vigente, depois de eleitos, os parlamentares não sofrem, no curso do mandato, a positiva cobrança dos eleitores
Infelizmente, pelo sistema político-partidário vigente, depois de eleitos, os parlamentares não sofrem, no curso do mandato, a positiva cobrança dos eleitores, como ocorre em países que adotam o voto distrital. Oxalá, os congressistas, por formação pessoal, tenham mais responsabilidade e visão de futuro. As reformas da previdência, tributária e política (sobretudo a primeira) são impostergáveis para recolocar minimamente o trem no trilho. Por certo haverá cortes e ajustes que hão de desagradar pessoas e setores, mas não mais se pode brincar de achar que os recursos do Estado (dinheiro do contribuinte) são ilimitados, no estilo coração de mãe. Sem reformas, não haverá investimentos, pois as despesas obrigatórias sugam as receitas do Estado.
Porém, se o que se espera dos detentores do poder são altivez, seriedade e zelo pela coisa pública, também a sociedade tem sua parcela de responsabilidade. Não basta apenas a vigília constante; precisamos afastar a ideia do brasileiro ser um povo “estatólatra”; i.e, achar que todos os males vêm do Estado e apenas do Estado saem as soluções. O momento está a exigir coerência de todos nós em cima de bandeiras que pública e eloquentemente defendemos. Qual a diferença entre o desvio de bilhões de uma estatal para o suborno a/de um guarda de trânsito? Só a quantidade de zeros. Comprar um Rolex verdadeiro por R$ 1.000 ou uma peça nova de carro por 90% abaixo do preço de mercado são “atalhos” que só servem para alimentar o crime organizado. Com a chegada da temporada de férias no Brasil, as estradas ficarão congestionadas fazendo surgir os “espertos” que não hesitam em ultrapassar pelo acostamento, pois não gostam de fila. Alguém gosta?
Leia também: Uma nova relação entre governo e partidos (editorial de 16 de dezembro de 2018)
A ideia “gersiana” de querer levar vantagem em tudo pavimenta outra estrada para usar de atalhos heterodoxos na conquista da riqueza material. Há milhares de singelas situações cotidianas que podemos praticar ou mudar para melhor. Em suma, ao torcemos para um país melhor – com exemplos de cima para baixo – que sejamos coerentes e honestos. Aliás, a melhor definição que conheço de honestidade está ligada à coerência: é a prática do discurso!
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