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Carro alegórico da escola de samba carioca Imperatriz Leopoldinense, que homenageou Lampião.
Carro alegórico da escola de samba carioca Imperatriz Leopoldinense, que homenageou Lampião.| Foto: Divulgação

Em 2002 tive a honra de ser convidado pelo governo de Timor Leste para ajudar no seu processo de independência e fazer uma palestra sobre governança e gestão inovadora na primeira conferência sobre desenvolvimento sustentável daquele país. O ministro de Infraestrutura do país mostrou sua posição com firmeza: “Precisamos primeiro nos desenvolver, depois nos tornaremos sustentáveis”. Usei de muito tato para mostrar que aquela maneira de pensar implicaria perder oportunidades, condenando o pequeno país a um ciclo de dependência e subdesenvolvimento. Timor Leste naturalmente acabou escolhendo seu próprio caminho de forma soberana.

Também aproveitei aquela ocasião para debater com vários especialistas australianos as decisões de gestão pública que ajudaram a Austrália a se desenvolver. Como vocês sabem, no final do século XVIII, a Austrália era uma colônia penal, sua população imigrante original foi escolhida a dedo pelos melhores juízes ingleses. Duzentos anos antes, o Brasil também foi o destino dos degredados portugueses. Por que a Austrália se desenvolveu e o Brasil não?

O Brasil parece sofrer de hibristofilia, aquela síndrome na qual existe uma atração irresistível por bandidos.

Alguns fatores ajudaram a Austrália:  boa governança, influência positiva do sistema político inglês, descoberta de ouro em 1851 e algumas reformas como a Lei para Governo das Colônias que em 1850 formulou constituições representativas para New South Wales, Victoria, South Austrália e Tasmânia. Essas colônias começaram a escrever constituições que produziram parlamentos democraticamente progressistas, por exemplo.

Depois de estudar e trabalhar com desenvolvimento por mais de 40 anos, estou cada vez mais convencido que o bem-estar de todos depende fundamentalmente do caráter do país e de seus governantes. E o Brasil parece sofrer de hibristofilia, aquela síndrome na qual existe uma atração irresistível por bandidos, também conhecida como “Síndrome de Bonnie e Clyde”.

O mais recente sintoma foi a escolha de Lampião, um notório bandido, como tema da escola campeã Imperatriz Leopoldinense no recente Carnaval do Rio. Um dos integrantes da escola justificou dizendo que “Lampião era uma figura que tinha uma estética própria, exuberante, colorida, nada sombria”. Não entendi se a parte colorida de Lampião se refere ao marrom escuro de suas sandálias, o bege do couro de suas roupas ou ao vermelho do sangue de suas vítimas em episódios bastante sombrios que incluem assassinatos de crianças. Lampião foi acusado de atacar pequenas fazendas e cidades em sete Estados do Nordeste, além de roubo de gado, assassinatos, torturas, sequestros, mutilações, estupros e saques. Lampião chamava os policiais de “macacos”, o que poderia ser interpretado hoje em dia de forma extremamente racista. Mas a Escola fez um espetáculo bonito e, como sempre, prevalece a narrativa, tudo vira festa.

O enredo foi baseado em um cordel que retrata a expulsão de Lampião do inferno pelo próprio Satanás, sem dúvida algo bastante exuberante. Quem compara Lampião a Robin Hood precisa considerar que Lampião não promoveu nenhuma mudança social nem enfrentou os grandes políticos corruptos e poderosos do Nordeste – eles aparentemente existem até hoje. No máximo, Lampião fez um assistencialismo paternalista aos que ajudaram seu bando. Isso também existe até hoje. Quando não recebiam a taxa de proteção, os cangaceiros de Lampião atacavam pequenas fazendas no melhor estilo mafioso ou miliciano.

Fico aguardando os próximos cordéis e enredos de escola de samba que retratarão a expulsão do inferno de vários de nossos políticos nacionais de estimação.

Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista com 30 anos de experiência como Conselheiro Sênior em inovação e gestão pública na ONU em Nova York.

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