Há 900 dias, a sociedade brasileira espera a volta da prisão após condenação em segunda instância. O revisionismo do Supremo Tribunal Federal, em 2019, colocou o Brasil na contramão do mundo. E o silêncio do Congresso Nacional ao não aprovar uma legislação pacificando a execução da pena em segundo grau mantém o Brasil, nesse aspecto, isolado da comunidade internacional. O Estado brasileiro é o único dentre os 194 países que fazem parte da Organização das Nações Unidas (ONU) que não tem em sua legislação a previsão de prisão após condenação em segunda instância.
Por quatro vezes, o STF mudou o entendimento sobre a segunda instância, criando instabilidade jurídica. A mudança beneficia apenas poderosos que podem exercer interposição sucessiva de recursos protelatórios com objetivo da prescrição, enquanto os cidadãos comuns jamais conseguem chegar às instâncias superiores. Para piorar, o revisionismo da instância máxima do Poder Judiciário foi além da sua própria decisão. O “freio de arrumação” acabou servindo de senha para uma série de manobras que viriam a ser feitas para se garantir a impunidade no Brasil e para permitir que políticos presos e fichas-sujas pudessem voltar à disputa eleitoral em 2022.
O Estado brasileiro é o único dentre os 194 países que fazem parte da Organização das Nações Unidas (ONU) que não tem em sua legislação a previsão de prisão após condenação em segunda instância.
Assim, na esteira da decisão do STF, somaram-se inúmeros retrocessos na legislação de combate à corrupção no país: anulação de condenações da Lava Jato; enfraquecimento da Lei da Ficha Limpa; esvaziamento da Lei de Improbidade Administrativa; a aprovação da lei que criou o juiz de garantias – mais um passo em direção à impunidade; interferência política nos órgãos e instituições de investigação para perseguir membros do Ministério Público e quem, um dia, ousou combater a corrupção; por fim, o asfixiamento da Operação Lava Jato, até seu completo encerramento.
É até difícil acreditar que o Brasil, que há poucos anos convivia com o ápice da luta contra a corrupção, tenha retrocedido tanto e de forma tão rápida. Por um momento em nossa história, tivemos a sensação de que deixaríamos de ser o país da impunidade. Hoje, a situação brasileira é tão grave que a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em decisão inédita, confirmou, em 2021, a criação de um Grupo de Trabalho Anticorrupção, composto por membros dos Estados Unidos, Itália e Noruega, para monitorar a situação no Brasil. Entre os motivos de maior preocupação da entidade estão o fim da Lava Jato e a aprovação da Lei de Abuso de Autoridade.
É até difícil acreditar que o Brasil, que há poucos anos convivia com o ápice da luta contra a corrupção, tenha retrocedido tanto e de forma tão rápida. Por um momento em nossa história, tivemos a sensação de que deixaríamos de ser o país da impunidade.
O combate à corrupção precisa ser levado tão a sério quanto problemas sociais, como a fome. É sabido que boa parte das refeições que faltam na mesa das famílias de baixa renda do nosso país, a falta de um ensino de qualidade e a falta de vagas em um hospital decorrem do desvio de recursos. Não por acaso, países que estão no topo do ranking de percepção de combate à corrupção, de acordo com a Transparência Internacional, têm também os melhores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), como Noruega, Suíça, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Alemanha e Holanda. Já o Brasil, no Índice de Percepção de Corrupção (IPC) de 2021, ocupa a 96.ª posição dentre 180 países avaliados.
Em ano eleitoral, dificilmente o Congresso – que até agora não aprovou medidas nesse sentido – fará esforços para votar matérias como a volta da prisão em segunda instância e a PEC do fim do foro privilegiado. Muito provavelmente, logo passaremos de 900 a mil dias sem previsão de execução da pena em segundo grau no país. Mas é dever daqueles que têm compromisso com o combate à corrupção e com o fim da impunidade seguir pressionando as autoridades até que o Brasil possa avançar no fortalecimento de uma legislação anticorrupção, e que a sociedade brasileira possa resgatar a confiança no Congresso Nacional e no Poder Judiciário. Nós temos esse compromisso com uma nova Justiça, igual para todos, e com o futuro do Brasil. Não há o que temer quando se caminha na direção da justiça e da igualdade de direitos.
Renata Abreu é deputada federal (Podemos-SP) e presidente nacional do Podemos.
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