A recente descoberta de que o Brasil é alvo de um processo de espionagem pelo governo norte-americano colocou em pauta discussões em torno da soberania nacional e do controle sobre a internet. Mas há outro aspecto, de ordem estrutural, que tem passado alheio: a constatação de que a rede de espionagem estadunidense somente existe porque o mundo a apoiou. O que se manifesta hoje nada mais é que o desdobramento das medidas que o mundo apoiou para que fossem desenvolvidas em nome da proclamação retórica do combate ao terrorismo.

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As mais duradouras ditaduras se iniciaram a partir do amplo apoio popular, normalmente para combater algo que provoca pânico coletivo – bruxas, criminosos natos, e assim, ao longo dos séculos, foram sendo desenvolvidas ideias capazes de gerar medo, com sua contínua ampliação até o pânico coletivo, sendo apresentadas as soluções autoritárias como necessárias para a paz social.

Quando termina a Guerra Fria e, por razões econômicas, o antigo bloco soviético interessa aos detentores do capital por se constituir em um expressivo quantitativo populacional ávido por consumir de tudo, novos inimigos precisam ser construídos para manter as estruturas de poder. Surge a cruzada norte-americana contra o terrorismo e em países da periferia, como o Brasil; ganha espaço a lógica discursiva do combate à impunidade. A ampliação desse modelo fez o germe do autoritarismo crescer no íntimo de sociedades democráticas, mesmo nos EUA, fonte de importantes conquistas democráticas e no campo dos direitos civis.

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Enquanto o Brasil debate sua invasão por espiões estadunidenses, o Egito é sacudido por um movimento dos mais intrincados. A população egípcia clamou por um golpe militar para não viver uma ditadura em meio à democracia.

Por mais paradoxal que pareça, o Egito jamais esteve em risco tão intenso de aprofundar o modelo autoritário do que quando teve uma efêmera experiência democrática, pois foi seguida pela vitória eleitoral de um grupo que tem como proposta de vida a intolerância e a imposição de seus dogmas religiosos. Assim, novamente no seio da democracia começou a ser forjada a ditadura com tendência ao rápido aprofundamento, para a criação em curto espaço de tempo de um Estado teocrático. Processo muito semelhante é vivido no Iraque e na Líbia, e, foi experimentado em sua face mais extrema quando os EUA armaram o Talibã e com ele atuaram para conduzi-lo ao poder. Destaca-se que os autoritarismos são sempre objeto de amplo apoio popular e a opinião pública internacional tem tendência a abalizá-los para satisfazer os argumentos de contenção do fator gerador de pânico coletivo.

O Brasil se encontra em momento delicado; há várias estruturas autoritárias propostas em nome do combate aos elementos de medo coletivo, como convocação de constituintes, autorização para um órgão ser detentor de poderes plenos e insuscetíveis de controle no processo criminal, estabelecimento de leis geradoras de intolerância em nome da proteção à religiosidade dominante, entre outras que ganham força.

A população americana, por medo dos "terroristas", abalizou seu governo a promover algumas invasões na vida privada. Hoje a invasão é generalizada, não observando sequer limites geográficos. No Egito, a tomada das ruas pela população em nome da democracia a colocou sob a ameaça de viver a mais brutal ditadura teocrática. Cuide-se para que no Brasil as vozes das ruas não se convertam no meio que produz uma nova ditadura proclamada em nome da vontade popular.

Adel El Tasse, procurador federal e professor de Direito Penal, é coordenador no Paraná da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais.

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