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Com o tempo, o mundo evolui e nós também. Os sistemas de ideias de cada civilização definem seu nível de humanidade ou de barbárie. Até há cerca de 200 anos atrás, a maioria dos economistas achava que um mundo sem escravidão não seria economicamente viável. Sacrifícios humanos eram rotineiramente praticados pelos Incas. No Império Romano as pessoas achavam que os pobres eram assim porque mereciam ser, ninguém os ajudava. Pessoas com problemas físicos ou mentais eram consideradas amaldiçoadas e abandonadas à sua própria sorte. A noção de compaixão evoluiu com o tempo. Aquilo que nos faz mais humanos também.
Há valores que nos fazem gente e estabelecem limites entre o ódio e a civilidade. Esses valores deveriam estar acima de países, fronteiras, religiões e partidos políticos. Crianças conhecem esses valores de forma intuitiva e sabem distinguir o certo do errado a partir de 2 ou 3 anos de idade. Isso é suficiente para me fazer acreditar em Deus. A história demonstra que nenhuma vitória política vale a perda da própria humanidade.
A invasão de Israel pelo Hamas nos fez voltar à barbárie. Idosos e crianças inocentes assassinados, jovens participantes de um festival de música estupradas e assassinadas, mulheres ensanguentadas sendo puxadas pelos cabelos nas ruas de Gaza, terroristas colocando fogo em casas para raptar seus ocupantes, crianças sendo feitas reféns e aprisionadas.
Parece absurdo que aqueles que dizem defender a democracia, o amor, as minorias, a igualdade, são os primeiros e únicos a aplaudir o massacre armado e sangrento de civis inocentes.
Os fins justificam os meios? Ou os meios já são o próprio fim? É por isso que o Hamas é considerado um grupo terrorista pela Austrália, Canadá, EUA, Europa, Japão, pela Organização de Estados Americanos (OEA), entre outros países civilizados. Até países árabes como Arábia Saudita, Egito e Jordânia discordam do terrorismo do Hamas. Ainda assim, há grande desinformação sobre Israel, sobre a Palestina e sobre o contexto histórico que gerou o conflito.
No fim da Primeira Guerra Mundial, o Reino Unido controlava parte do Oriente Médio no que ficou conhecido como “Mandato Britânico na Palestina”. Antes disso, em 1917, o governo britânico emitiu a Declaração Balfour anunciando o seu apoio ao estabelecimento de um "lar nacional para o povo judeu" na Palestina, então uma região otomana com uma pequena minoria de população judaica.
Depois da Segunda Guerra, no dia 29 de novembro de 1947, países membros da ONU adotaram a Resolução 181 (também conhecida como Resolução da Partilha) que dividiu o antigo território controlado pela Grã-Bretanha em dois estados: um judeu (que virou Israel) e um árabe (que continuou sendo Egito e Jordânia).
Como os brasileiros se sentiriam se um grupo terrorista invadisse o “Rock in Rio” e matasse a sangue frio centenas de jovens inocentes?
Em maio de 1948 Israel declarou sua independência. No dia seguinte, o pequeno e recém-criado país foi imediatamente invadido pelos exércitos do Egito, Iraque, Jordânia, Líbano e Síria. O espírito dessa invasão foi resumido pelo Sheikh Hassan el-Bana, chefe da Irmandade Muçulmana: “Se o Estado judeu se tornar um fato, e isso for percebido pelos povos árabes, eles expulsarão os judeus que ali vivem para o mar”. Essa invasão foi trágica para todos os lados, porque resultou em um grande contingente de refugiados, os quais depois passaram a ser chamados de “palestinos”. Na verdade, antes de 1948, todos que viviam ali eram chamados de palestinos, já que a região se chamava Palestina.
O que alguns chamam de “Guerra de Independência” na verdade foi uma guerra de sobrevivência para Israel, que saiu vitorioso, mas percebeu a importância de fortalecer suas forças armadas e serviços de inteligência. Ao contrário de Israel, o Egito e a Jordânia não tiveram a preocupação de apoiar a criação de um novo Estado árabe em 1948, o qual poderia ter se chamado “Palestina”, ou qualquer outro nome. O Egito controlou a faixa de Gaza e a Jordânia controlou a Cisjordânia até 1967, quando Egito, Síria e Jordânia invadiram novamente Israel. Esses países foram derrotados na chamada “Guerra dos Seis Dias”, a partir da qual Israel controlou esses territórios.
Que tipo de ser humano consegue apoiar por razões políticas o estupro de jovens ou assassinato de crianças e idosos?
Em um gesto concreto de paz, Israel espontaneamente devolveu Gaza ao Egito em 2005. Essa devolução foi dramática: policiais e soldados do exército israelense removeram famílias de colonos judeus à força. Gaza passou a ser controlada pela Autoridade Palestina, presidida há 18 anos por Mahmoud Abbas – eleito em 2005 para um mandato de 4 anos. Em 2007, terroristas do Hamas brutalmente assassinaram vários membros da Autoridade Palestina – inclusive arrastando pelas ruas de Gaza seus corpos presos com correntes a motocicletas.
Hoje, os palestinos do Hamas controlam a Faixa de Gaza e a utilizam como plataforma para lançamento de mísseis e ataques contra Israel, enquanto os palestinos da Fatah controlam a Cisjordânia. O presidente Abbas da Autoridade Palestina inicialmente declarou seu apoio à invasão de Israel pelos terroristas do Hamas, mas depois se posicionou contra o grupo terrorista, talvez percebendo que defendê-lo não era estrategicamente interessante.
Como os brasileiros se sentiriam se um grupo terrorista invadisse o “Rock in Rio” e matasse a sangue frio centenas de jovens inocentes? Que tipo de ser humano consegue apoiar por razões políticas o estupro de jovens ou assassinato de crianças e idosos? É importante esclarecer uma grande diferença entre duas posições: apoiar a existência de um Estado palestino convivendo em paz com seus vizinhos, conforme preconizado em 1947 pela Resolução da ONU, ou apoiar um grupo terrorista chamado Hamas que tem o objetivo declarado não só de destruir Israel, mas também de exterminar toda a sua população. Que isso fique bem claro: o Hamas não quer paz, quer a destruição de Israel.
Estive na Cisjordânia em 2005 representando a ONU, quando ajudei a elaborar um projeto para desenvolvimento local e cooperação entre cidades israelenses e palestinas. Fui muito bem recebido, fui convidado para um almoço típico em uma tenda beduína, organizaram um bate-papo com as primeiras mulheres vereadoras eleitas por voto direto. Olhei muita gente dentro dos olhos e não vi terroristas, mas pais e mães de família. Os palestinos me mostraram o muro erguido por Israel e lamentaram a opressão militar vinda do outro lado. Os israelenses me mostraram o muro que tiveram que erguer e lamentaram o terrorismo e homens-bomba vindos do outro lado.
Agora em Gaza teremos o contrário: Israel vai certamente querer se certificar que a faixa de Gaza nunca mais será usada para atacar Israel e poderá invadir Gaza, tendo mobilizado 300 mil reservistas. Israel envia avisos antes de alvejar prédios militares. O Hamas utiliza a população local como escudos humanos, escondendo mísseis e armas nos porões de mesquitas e escolas.
Acho vergonhoso que alguns políticos do Brasil – país que acolheu meus avós como imigrantes – aparentemente ignorem a diferença entre o avanço de causas políticas por meios humanitários ou o apoio a um movimento terrorista que utiliza assassinatos, estupros e raptos de civis inocentes como forma habitual de ação. O mundo civilizado considera o Hamas um grupo terrorista. Ainda estou tentando entender por que alguns políticos e muitos órgãos da mídia brasileira ainda não. Como explicar isso? Parece absurdo que aqueles que dizem defender a democracia, o amor, as minorias, a igualdade, são os primeiros e únicos a aplaudir o massacre armado e sangrento de civis inocentes.
Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista com 30 anos de experiência como Conselheiro Sênior em inovação e gestão pública na ONU em Nova York.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos