Sempre alvo de previsões pessimistas, mas sobrevivente tanto da Guerra Fria quanto de contradições e fracassos, a ONU segue ilesa na persecução de seu ideário, tendo inaugurado sua 78ª Assembleia Geral. “A ONU está tão doente e até seus melhores amigos já temem que seu berço venha a servir-lhe também de leito mortuário”. A afirmação pode até parecer atual, mas não. Trata-se de artigo de James Burnham, em Seleções do Reader’s Digest, de setembro de 1947, logo após sua fundação. Nada de novo sob o sol.
Nestes outros tempos e perigos em que a fala brasileira, conforme a tradição, continua a abrir a Assembleia Geral, a hipermodernidade de paz e de prosperidade continua a ser uma quimera. Com retrocessos e desavenças trágicas na governança global, segue em seu curso a história incivilizada, fatalmente contínua, pêndulo inexorável entre o progresso e a barbárie.
Se o século 20 foi o de busca pelo fim da guerra, por sua proibição política e jurídica com solução pacifica de controvérsias – até pelo risco nuclear – com a atuação incisiva do Direito Internacional, o século 21 agora pospõe-se com beligerância primitiva, do homem grotesco que parece ressurgir das trevas.
Há que ter-se em conta ser a ascensão do Brasil ao restrito grupo de membros permanentes algo inexorável, tanto por atributos possuídos, como por tradições construídas.
A obstinada sobrevida da ONU assenta-se, porém, em algo simples: a busca pela autoridade mundial que sempre se renova e fortalece nas rupturas extremas. É quando a instituição se reafirma, num fórum mundial único em face a perigos desmedidos. Em artigo do Financial Times, em 2005, Philip Stephens sintetizou os dilemas da ONU em artigo com título cabal: “As Nações Unidas, imperfeitas mas necessárias”. Com acerto, lembrou o versado professor: “A ONU segue sendo palco de discussões e não a fonte de disputas”.
Ainda como instituição imperfeita, a ONU insiste em refletir superadas relações de poder do segundo pós-guerra, conflito que acabou há quase século. Vastas regiões do mundo seguem apartadas do poder extremo, de instâncias últimas, concentradas nos cinco membros permanentes de seu Conselho de Segurança, embora a igualdade jurídica das nações seja um princípio consagrado.
Nesse hiato de razão, sempre se fez presente o clamor brasileiro pelo assento permanente na suprema ONU, como política de Estado, a independer de governos e de suas variâncias, cores partidárias ou ideologias. Já ao tempo do discurso de Oswaldo Aranha, na inauguração da primeira Assembleia Geral, faziam-se circular documentos em que se postulava a candidatura brasileira. E por que o Brasil quer a suprema ONU? Se só os cinco membros permanentes possuem poder de veto, não há como postergar-se a ampliação do rol de detentores de palavra final que o poder de veto contempla, com maior transparência e coparticipação, agora com o apoio expresso de Biden e de Guterrez, secretário-geral das Nações Unidas.
Há que ter-se em conta ser a ascensão do Brasil ao restrito grupo de membros permanentes algo inexorável, tanto por atributos possuídos, como por tradições construídas. Para além do caráter simbológico que encerra, o novo patamar elevaria ainda o poder real da nação, poder não isento de responsabilidades e de desafios.
Como decorrência, ao possuir a suprema posição na ONU, com voz, voto e veto, vantagens comerciais decorreriam de imediato, como democracia sólida e mercado confiável, disponível a parcerias estratégicas e investimentos de longo prazo. Algo indispensável ao aumento da qualidade e do tamanho de nossa economia, sempre a gravitar dentre os maiores PIB’s, mas, paradoxalmente, em país assolado por miséria de parcela importante da população, a par de desacertos no processo de desenvolvimento desarmônico e sincopado.
Por fim, como sempre referido em efemérides onusianas, vale lembrar o veterano embaixador Cabot Lodge e seu antológico alerta: “As Nações Unidas não foram concebidas para conduzir-nos ao paraíso, senão para salvar-nos do inferno”.
Jorge Fontoura é advogado e professor.