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Samuel Huntington no Fórum Econômico Mundial, de Klaus Schwab, em 2004.
Samuel Huntington no Fórum Econômico Mundial, de Klaus Schwab, em 2004.| Foto: Peter Lauth/WEF/Wikicommons

Samuel Huntington é um cientista político mundialmente conhecido pelo seu livro O Choque de Civilizações (Objetiva, 1997). Há, todavia, uma outra obra sua que se presta como uma luva para este artigo: Ordem Política nas Sociedades em Mudança (Edusp, 1975). Aprendi com o mesmo sobre o uso do conceito de pretorianismo em sociedades com frágeis instituições políticas. Como é o caso da maioria dos países latino-americanos, de direita ou de esquerda.

Já havia escrito, há alguns anos, sobre a existência de um pretorianismo moderado no Brasil. Por isso mesmo, aleguei ser este um dos indicadores de nossa democracia frágil (Frágil Democracia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000). De lá para cá, involuímos institucionalmente. Hoje temos um pretorianismo exacerbado. Como assim? A grande maioria de nossas instituições está politizada no sentido de estar a serviço de um partido ou de grupos com interesses paroquiais e/ou corporativos. Há uma espécie de “vale tudo” institucional no Brasil. Isto não é de hoje, mas um processo no qual todos os relevantes atores políticos contribuíram historicamente com seu quinhão. Uns mais outros menos.

Recentemente, um jornal paulista publicou reportagem afirmando que o STF toma decisões intencionais que o aproximam do governo federal. E que, para agradar a este mesmo governo, decisões suas anteriores são revistas. Com a maior candura. Um eminente ministro, em reunião na União Nacional dos Estudantes (UNE) declarou: “nós derrotamos o bolsonarismo”. Por sinal, não é de hoje que a UNE representa apenas estudantes de esquerda. Jovens liberais não possuem espaço no seio desta instituição. Este mesmo ministro convidou o Exército para atestar a integridade das urnas, como se este papel eleitoral coubesse institucionalmente aos militares.

Corremos o risco de irmos com as mesmas urnas para a eleições presidenciais de 2026, caso o Congresso não retome o debate sobre o aperfeiçoamento das mesmas. O Paraguai pode ter urna híbrida, mas nós não?

O comportamento do Ministério Público deixa, também, a desejar. Várias das ações da Procuradoria Geral da União nem se fala. Um dos juízes do Tribunal Superior Eleitoral, que custa uma fábula ao contribuinte, teve suas bochechas apalpadas pelo Presidente da República e este juiz sussurrou para um colega da Suprema Corte: “Missão dada, missão cumprida”. Sem esquecer que nossa Constituição já foi violada várias vezes. Desde o momento em que o relator da Constituinte de 1987 introduziu à socapa dois artigos no texto constitucional enquanto o levava para a gráfica do Senado. Em vez de ser execrado do jogo político, tornou-se ministro da Justiça de FHC e, posteriormente, presidiu o STF. Ainda foi apontado ministro da Defesa do governo Lula. A OAB, por sua vez, mantém um silêncio obsequioso ante estes desmandos. Todos com todos. Nem sombra da firme atuação em prol da democracia no período em que Raymundo Faoro a presidiu.

A maior parte das Igrejas estão partidarizadas. Há uma clara mistura entre política e religião. O novo Arcebispo de Olinda e Recife declarou: “a cada dia que passa, me convenço mais que o Lula é uma causa a ser defendida”. Vários pastores defendem Bolsonaro seja em seus respectivos púlpitos ou no Congresso Nacional. Até mesmo as Forças Armadas nunca estiveram internamente tão divididas e politizadas. E com elas as polícias militares. E não se sabe o que acontecerá com as mesmas. Na Grécia, em 1967, ocorreu um inesperado golpe de coronéis. Já há algumas vozes pregando a criação de sindicatos militares.

A última eleição presidencial não decorreu com a desejada transparência. Careceu de plena legitimidade. O conceito de democracia eleitoral foi abalado. Corremos o risco de irmos com as mesmas urnas para a eleições presidenciais de 2026, caso o Congresso não retome o debate sobre o aperfeiçoamento das mesmas. O Paraguai pode ter urna híbrida, mas nós não?

Ainda subsistem presos políticos no país. Vários deles, incluindo crianças, mulheres e idosos. Convém lembrar que o governo foi contra a instalação da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito. Aceitou a mesma após a revelação de imagens mostrando um General Chefe do Gabinete de Segurança Institucional dando água aos supostos golpistas. Bem como de fotógrafo da agência de notícias internacional que tirava, amistosamente, fotos de parte dos presentes. Como se estivesse em um parque de diversões. A totalidade das imagens filmadas no interior do Ministério da Justiça ainda não chegaram, em sua plenitude, à CPI. Apesar do pedido do presidente da mesma. Fica difícil explicar o comportamento, do ministro da Justiça.

Na Venezuela, todas estas instituições, incluindo a mídia, foram cooptadas e deu no que deu. Não foi preciso dar um tiro: Já somos uma “Brazuela”, ou seja, um Brasil com rosto similar ao da Venezuela. Pior: medidas autoritárias não param de surgir. Convém lembrar John Locke: “Quando acaba a lei, a tirania começa. Se a lei é transgredida para causar dano, quando a autoridade excede o poder que a lei lhe dá, deixa de ser um magistrado e agindo sem autoridade, pode ser resistido como qualquer outro bandido que, pela força, invada os direitos dos outros”.

Em um pretorianismo exacerbado como o nosso crescem, a cada dia, as chances do surgimento de um regime (semi)autoritário. Chegaremos lá?

Jorge Zaverucha é professor titular de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco.

Conteúdo editado por:Bruna Frascolla Bloise
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