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O BRICS como alternativa à polarização atual entre EUA e China

Os chefes de Estado dos Brics debatem durante cúpula virtual do bloco, no mês passado (Foto: EFE/EPA/MIKHAIL METZEL/KREMLIN/SPUTNIK)

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A XIV Cúpula do BRICS que teve como anfitriã a China e foi realizada em junho de 2022, pode ser considerada um marco, pois aconteceu em meio às mudanças no cenário internacional causadas pela guerra Rússia-Ucrânia e suas consequências, tais como a instabilidade econômica mundial, que afeta todos, até os EUA, e o fortalecimento da Otan.

O acrônimo BRIC foi criado pelo economista do banco Goldman Sachs Jim O’Neill em estudo de 2001 e de modo interessante deu origem, em 2006, ao nome de um espaço de concertação política e econômica entre o Brasil, a Rússia, a China e a Índia, a que se juntou, em 2011, a África do Sul.

Sem ser uma organização internacional multilateral, o BRICS buscou não se institucionalizar, o que lhe dá flexibilidade e dinamismo. Trata-se de um foro de cooperação, de diálogo, e de aproximação e coordenação diplomática. Sua consolidação e presença internacional têm crescido consideravelmente desde sua criação.

A China, desde a fundação do BRICS, tem acelerado sua caminhada à paridade econômica com os Estados Unidos, e simultaneamente, vem aumentando sua presença internacional.

Na Cúpula de 2022 deve-se dar destaque às posições da China, no sentido de que o BRICS deve lutar contra a hegemonia, em referência naturalmente ao status norte-americano após a derrocada da União Soviética e, ademais, acusa os EUA e as potências ocidentais de mentalidade de Guerra Fria. Registre-se que a China, desde a fundação do BRICS, tem acelerado sua caminhada à paridade econômica com os EUA, e simultaneamente, vem aumentando sua presença internacional.

Quanto à Rússia, criticou “certos Estados” que usam mecanismos financeiros globais em detrimento de sua economia e defendeu um mundo verdadeiramente multipolar, ou seja, não hegemônico. Ademais, o Kremlin pretende redirecionar seu fluxo de comércio para o que considera países mais confiáveis.

Em relação ao Brasil, devemos notar a reiteração da defesa de uma reforma da ONU, principalmente do Conselho de Segurança, em busca de maior representatividade. O Brasil manifestou-se também pela reorganização das instituições financeiras internacionais, estabelecidas no pós-guerra, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Essas instituições compõem o sistema de Bretton Woods de 1944, que estabeleceu as bases do funcionamento das finanças mundiais no pós-guerra.

Mas uma reformulação do Conselho de Segurança da ONU esbarra em duas ordens de problemas.

A primeira, realisticamente, diz respeito à ausência de vontade dos atuais membros permanentes de abrirem mão de sua posição de controle do Conselho por meio do poder de veto. Afinal de contas, os componentes do conselho, incluindo a China e a Rússia, são as maiores potências globais em termos militares, e o Brasil não conta com poderio bélico significativo, apesar de ser uma economia de peso, principalmente no que tange à exportação de commodities.

Além disso, seria muito difícil, devido a rivalidades regionais, decidir quem seriam os novos participantes em um Conselho de Segurança ampliado. No entanto, a manutenção e divulgação da posição brasileira a favor da reforma do Conselho contribui para a projeção diplomática do Brasil. Cumpre registrar, de outra parte, que se tem consolidado o Novo Banco de Desenvolvimento, o chamado banco do BRICS, fundado em 2015, e dedicado ao financiamento de infraestrutura, atualmente presidido pelo Brasil.

Por outro lado, nota-se a iniciativa, patrocinada pela China de convidar alguns países em desenvolvimento para participarem da cúpula. Estiveram presentes Argélia, Argentina, Camboja, Cazaquistão, Egito, Indonésia, Irã, Malásia, Senegal, Tailândia e Uzbequistão. Há interesse de dois países, Argentina e Irã, em se juntarem ao BRICS. Ambos têm problemas graves, a Argentina mergulhada em profunda crise econômica, fora do sistema financeiro internacional por não pagamento de dívida externa, e o Irã sofrendo fortes sanções ocidentais por sua insistência em enriquecer urânio em níveis compatíveis com armas nucleares – o que é considerado fator de desestabilização do cenário internacional. Serem membros do BRICS aliviaria o isolamento em que estão atualmente no cenário mundial.

A China, em ascensão e com diplomacia pragmática, vê no BRICS uma plataforma para reforçar canais diplomáticos e comerciais com países em desenvolvimento, em sua busca de influência global estratégica e de fontes de suprimento. A Rússia enxerga no BRICS campo para contornar as sanções a que está submetida por causa da guerra contra a Ucrânia. Ambas as potências vislumbram também oportunidade de procurarem estabelecer no longo prazo sistema financeiro alternativo ao vigente atualmente.

Logo depois da reunião do BRICS, realizou-se em Madri, em 28 de junho, a Cúpula da Otan, com resultados marcantes. De um lado, o anúncio da reformulação da doutrina da Aliança Atlântica, colocando a China como ameaça estratégica. De outro, o início do processo formal de adesão à Otan de dois países limítrofes com a Rússia, a Finlândia e a Suécia, após concordância da Turquia. A China, que tem procurado uma postura discreta no cenário internacional, favorecendo uma estabilidade que lhe permita consolidar-se como nova superpotência, sentiu-se provocada. Em relação à Rússia, a Aliança Atlântica aumenta a sensação de cerco que lhe é tradicional e existe desde os tempos imperiais.

O BRICS, cuja criação originou-se em negociações diplomáticas à margem da Assembleia Geral da ONU em 2006, tem adquirido crescente importância na configuração internacional de poder que se forma atualmente, com o aumento da radicalização entre o campo ocidental, em especial os EUA, e o eixo sino-russo. Há uma clara tendência de que o BRICS aumente sua importância como foro de coordenação e que seja visto cada vez mais pelos países emergentes como alternativa à ordem mundial oriunda da Segunda Guerra e da Guerra Fria.

Márcio Florêncio Nunes Cambraia é diplomata de carreira e professor de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e autor do livro “Os Jogos do Poder - como entender e analisar a realidade política de um mundo em transformação”.

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