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Embora o brincar esteja presente desde o início da trajetória de vida da criança, em nossa sociedade a ideia do brincar ainda está associada àquilo que carece de seriedade e utilidade, assumindo frequentemente o significado de oposição ao trabalho, tanto no contexto da escola quanto no cotidiano familiar. Nem mesmo a vasta literatura produzida nas últimas décadas afirmando a importância da brincadeira nos processos de desenvolvimento e de aprendizagem foi capaz de modificar as ideias e práticas que reduzem o brincar a uma atividade de menor importância. Porém, se considerarmos que o brincar é a maneira pela qual as crianças estruturam o seu tempo – ou seja, suas vidas –, precisamos reconhecer que falamos de direitos humanos.

Brincar é, antes de tudo, um direito da criança, direito garantido em lei. As crianças são sujeitos de direitos e, como tais, devem ser respeitadas em suas necessidades e especificidades. O que a criança realmente precisa é do reconhecimento do seu tempo livre e de espaços e recursos adequados. Portanto, as brincadeiras devem estar desvinculadas de qualquer utilidade ou rendimento posterior. Brincar produz prazer, transporta a um tempo e a um lugar único que a criança pode dominar por ser sua criação. A brincadeira constitui o reino do possível, do aceitável e do modificável; por essa razão, existe uma finalidade em si mesma.

Por outro lado, para as crianças, a brincadeira é uma forma privilegiada de interação com os outros sujeitos, adultos e crianças, e com os objetos e a natureza à sua volta. Brincando, elas se apropriam criativamente das práticas sociais específicas dos grupos aos quais pertencem, aprendendo sobre si mesmas e sobre o mundo em que vivem.

Ao brincar, a criança adentra o mundo dos adultos, dando significado àquilo que vivencia. Brincar com seus pares possibilita que ela vivencie diferentes papeis. É nessa troca de papéis que ela se apropria das regras sociais, das normas, crenças e de um sistema de valores socialmente aceitos em nossa sociedade. Assim, a brincadeira assume importância fundamental como forma de participação social. A tolerância e a frustração são a base dessas relações sociais, mas não se nasce sabendo ser colaborativo e tolerante.

As crianças pequenas passam por um período de egocentrismo que é necessário para o seu desenvolvimento; elas necessitam ser conscientes da sua importância e que podem interagir com seu entorno e com as pessoas que as rodeiam. Porém, também é certo que necessitam compreender que não são onipotentes. O fato de ter de seguir alguns combinados, chegar ao consenso em relação ao que brincar, como brincar e com quem brincar, desenvolve algumas estratégias necessárias para aprenderem a lidar com a frustração. Uma criança que aprende a utilizar o diálogo e a reflexão na resolução dos seus conflitos dificilmente aceitará e legitimará a violência como uma alternativa possível.

Ao brincar com seus pares, as crianças exercitam esses princípios de negociação e de colaboração e, mesmo que em muitas brincadeiras infantis não existam regras explícitas, uma série de normas se faz presente. Nesse sentido, elas aprendem que, se não respeitarem estas normas acordadas – explicitamente ou não –, podem ser rejeitadas ou hostilizadas pelos seus pares. Também aprendem que, em caso de conflitos de interesses, essas regras podem ser negociadas. Negociar se aprende negociando. Se pensarmos em solidariedade, as brincadeiras infantis estão intimamente associadas a esse valor, pois para poder brincar é fundamental ser solidário, respeitar o colega e cooperar. Para poder brincar, as crianças necessitam aceitar as regras, considerando o direito do outro. Assim, por meio das brincadeiras, elas criam laços de solidariedade e de comunhão.

Yara R. de la Iglesia é coordenadora pedagógica da Educação Infantil do Centro Educacional Marista Irmã Eunice Benato, do Grupo Marista.

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