Há anos, tenho me importado nada com as pessoas que trabalham na rua. Não me refiro àqueles que mendigam. Esse é outro problema complexo que prefiro não tratar neste momento. Falo das pessoas que vendem coisas no semáforo ou o seu trabalho pelas ruas. Falo de Bruno e Antônio.
Vamos começar pelo seu Antônio. Encontrei-o na porta do McDonald's. Meu filho pediu-me para comer um sorvete e tinha de ser lá. Sabe como são os autistas e o seu hiperfoco: McDonald's, McDonald's, McDonald's. Lá fomos nós no meio de uma tarde de dezembro.
O Antônio pegou-nos de surpresa e, inicialmente, assustou-nos: “Estou com fome. Pode me arranjar algo para comer?” Mostrou-me as ferramentas de jardineiro e disse não ter encontrado trabalho. Era um senhor de barba branca. Parecia um bom velhinho. Disse que sim e que já traria o lanche. Para minha surpresa, ele disse: “Vou entrar, eu também sou gente!” Sentou-se em uma cadeira ao lado da porta.
Trouxe o lanche e fiquei de olho para ver se ninguém o mandaria embora. Agora era o meu convidado. Antes de ir embora, perguntei como se chamava e me disse seu nome completo com mais de um sobrenome os quais, infelizmente, não me recordo agora. E eu pensei: “Não é um mendigo. É uma pessoa que quer ser vista pelos outros como tal.” Considerei que poderia o ter tratado melhor. Nem perguntei qual o lanche de sua preferência. Mas ele me deu uma lição de dignidade.
O Bruno é um sujeito muito simpático que vende amendoim em um semáforo ao redor da Lagoa do Taquaral. O primeiro fato que me chamou a atenção foi que ele tentou contato com o meu filho. Como não conseguiu, expliquei que é autista. Para meu encanto, hoje sempre cumprimenta o Álvaro, mesmo sabendo que não haverá resposta. Também, para me confortar, disse que os autistas são muito inteligentes. Outro dia, quis me vender bala. Estava sem dinheiro. “Pode levar para o garoto. Eu dou um.” Que lição de generosidade para mim.
No início, escrevi que há algum tempo ignorava "essas pessoas". Graças à pregação insistente do Papa Francisco a respeito dos mais pobres, resolvi entrar em contato não com “aquelas pessoas”, mas com o Bruno e o Antônio.
É verdade que não vou resolver o problema deles. Não vi mais o Antônio. Mas sei que o Bruno vende amendoim e que outro dia chovia torrencialmente e ele estava lá. Aliás, na primeira vez que comprei algo dele, disse-lhe que não queria e ele insistiu: “Tô aqui nesse solzão. Você pode me ajudar?” Comprei e ganhei não um amigo, mas alguém que respeito, um trabalhador, um homem generoso que encontro quase todos os dias.
Eu tive compaixão por eles, eles por mim, porque o meu coração estava duro. E isso é a pior coisa que pode acontecer a alguém. Afinal, como escreveu o Papa, é um grande mal: “A terceira doença é o endurecimento mental e espiritual, típico de alguém que tem um coração de pedra e uma ‘cabeça dura’. (...) É própria de quem perde a vontade de confrontar-se, de acordar todas as manhãs e viver como se fosse o primeiro dia de sua missão.”
O Antônio, o Bruno e o Papa deram-me lições valiosas. Espero pô-las em prática para que a verdadeira simplicidade do presépio de Belém esteja em meu coração. Feliz Natal!
Eduardo Gama é professor de Redação e de Literatura, mestre em Literatura Portuguesa pela USP, jornalista e publicitário.
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