A nova investida do governo federal para reduzir a burocracia no serviço público se assemelha ao remake de filmes antigos. De tanto em tanto, a simplificação burocrática reaparece em nova versão. Mas há uma diferença: fazem-se remakes de filmes que tiveram sucesso no passado, o que está longe de ser o caso das reformas administrativas, muito ao contrário. Infelizmente, a paralisia administrativa brasileira não se resolveu no passado, nem nunca se resolverá simplificando temporariamente a exigência de documentos e coisas do gênero, pois paciente e tenazmente, a burocracia derrotará a reforma, como fez com Helio Beltrão há trinta anos e, dentro de algum tempo, estaremos novamente reconhecendo firmas, autenticando fotocópias, apresentando atestados desnecessários etc.

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Qual a razão para isso? O assunto é muito complexo e voltarei a ele na próxima semana. Como pano de fundo, está um processo cíclico que alterna "modernização" e "moralização" do setor público. Explico: a burocracia vai inviabilizando e paralisando todos os setores, o atendimento à população chega a um nível insuportável de degradação e, então, o governo reúne forças e "moderniza" o serviço público: na década de trinta, com a criação do Dasp e das autarquias; durante o regime militar, com a multiplicação das empresas mistas e públicas e das fundações. Assim, alguns avanços são obtidos. Um caso célebre é o dos Correios, empresa que substituiu o desmoralizado e paquidérmico DCT – Departamento de Correios e Telégrafos. Mas, que acontece quase que invariavelmente? Os dirigentes e administradores – livres das peias dos controles sufocantes da burocracia tradicional abusam da liberdade, transformam o serviço público em refúgio para correligionários políticos, enveredam pelo favoritismo e não raro pela corrupção. O país se horroriza com tanta imoralidade e então, a burocracia renasce triunfante para "moralizar" o governo, as exigências formais se multiplicam, os controles dos Tribunais de Contas também e o Ministério Público se mobiliza, para garantir o estrito cumprimento da multidão de leis e regulamentos que o país já tem, aos quais seus membros acrescentam suas próprias crenças políticas e pessoais. As decisões administrativas são sistematicamente contestadas na Justiça que, enquanto não decide, paralisa a execução das mesmas, por maior importância que tenham. Tudo em nome da moralidade, ou mais precisamente, de uma visão singular do que seja moralidade. Quem sofre é o público, até que o ciclo "moralizante" chegue novamente a um nível sufocante e o processo recomece.

Alguns exemplos recentes para ver que não estou exagerando: em Natal, o Ministério Público entendeu que um convênio que era utilizado para manter os serviços de saúde funcionando nos hospitais públicos era ilegal. Consequência: o convênio foi cancelado e a população ficou sem atendimento, doentes e feridos se acumularam no chão dos corredores, morreu gente por falta de assistência. Restaurou-se a moralidade, mas o preço está sendo alto. Aliás, para não ir muito longe, estamos vivendo situação semelhante na região metropolitana de Curitiba.

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Outra: a concorrência para fazer o projeto do metrô ficou dez meses parada, em função de uma impugnação de um concorrente. É mais do que provável que sofra outras impugnações quando as propostas de preços forem abertas, e o tempo vai passando. Enquanto isso, a população se espreme (e até morre) em ônibus superlotados e nos aproximamos celeremente do momento em que teremos quatro milhões de habitantes necessitando de transporte público, sem ter construído o metrô para atendê-la.

Por último, um toque de surrealismo. Diz a imprensa que os Juizados Especiais, criados para acelerar a prestação da justiça nas causas de menor importância, estão marcando audiências para 2010. Parece os trens italianos: o "acelerado" é o mais lento, o "direto" para em todas estações dos subúrbios e quem quer ir direto e rápido ao destino deve tomar o "diretissimo". Que ainda não foi inventado aqui.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUC-PR