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Cabemos todos em caixinhas?

Congresso aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022
Congresso brasileiro. (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

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Seja na política ou na sociedade brasileira, existem pessoas que se identificam como liberais econômicos, conservadores, e votam em partidos de esquerda; mas também existem pessoas que se identificam como conservadores nos costumes, liberais na economia, e votam nos partidos de direita ou até de centro.

Até recentemente tínhamos política e economia de um lado e costumes do outro. A popularização dos termos “conservadorismo” e “liberalismo”, “direita” e “esquerda” surgiu quando os valores ganharam muito espaço na vida política. Campanhas com cunho religioso e bandeiras de grupos de interesse abriram espaço para confundir valores com políticas públicas.

Antigamente, os valores não entravam tanto no debate político. Eram algo mais privado. Hoje, as políticas públicas são construídas com base no apaziguamento de valores pessoais, o que atrapalha muito a conversa sobre posicionamentos econômicos, porque crença e valores pessoais não devem interferir em reformas, na inovação e, claro, no empreendedorismo nacional.

O século 20 está cheio de movimentos que são por essência de esquerda, mas conservadores nos costumes. Da mesma forma, é possível identificar reformas liberais que não vieram de partidos de direita.

Posicionamento político é importante para nortear o eleitor sobre como ficará a economia de mercado e programas sociais, após a eleição. Mas a parte perigosa de rotular as pessoas, partidos e organizações usando estereótipos radicais é criar a noção que as pessoas não têm liberdade de ter várias facetas, vontades e soluções.

Quando deixamos partidos políticos criarem a narrativa de polarização de costumes e fomentamos a polarização política, não dialogamos sobre soluções econômicas e processos jurídicos que caibam no bolso nacional e, portanto, os problemas econômicos e políticos de uma sociedade não são corrigidos.

Podemos definir, com certeza, os conceitos de esquerda e direita. Essas definições surgiram durante a Revolução Francesa, onde quem era a favor da manutenção do status quo sentava-se à direita, e quem era contra a manutenção desse status quo sentava-se à esquerda. Mas isso foi no século 18; hoje, qualquer pessoa de bom senso entende que, ao longo da vida, vamos transitar de esquerda para o centro, ou para a direita, dependendo da realidade econômica da nossa própria vida. Tudo vai de acordo com a necessidade de cada um, em determinada fase. É natural. Em alguns momentos, por exemplo, a proteção do Estado será necessária, em outros não. Em algumas situações, a privatização em vários setores será necessária, em outras nem tanto. A questão passa por uma análise da realidade, sem se prender a rótulos.

Por exemplo, as cúpulas dos partidos comunistas da China e de Cuba, que na tipologia geral são de esquerda, são também conservadores, por não acreditarem na possibilidade de mudança e transformação política. Liberalismo e conservadorismo podem ou não ser associados aos termos esquerda e direita.

Tentar colocar em caixinhas e simplificar a realidade econômica não faz mais sentido. No nível de complexidade da sociedade atual, com as diferentes realidades econômicas e de valores, não dá para aceitar essa associação simples que, inclusive, vai contra a liberdade individual de escolha e expressão política.

Em uma democracia é importante não ter só um ponto de vista como verdadeiro. A existência de posicionamentos políticos e econômicos diversos é importante para justamente fornecer essa contraposição de ideias necessárias para o desenvolvimento econômico da sociedade.

Se há algo que aprendemos com o desenvolvimento da ciência, é que a premissa do progresso racional e científico é estar aberto à possibilidade de estar errado. Quando ficamos em caixinhas e achamos que estamos sempre certos, a única forma de alcançar o desenvolvimento é por sorte. Se você está aberto à noção de que pode estar errado, já que não tem todas as respostas, você dialoga e busca conjuntamente soluções possíveis para problemas comuns.

Em vez de rotular as pessoas, vamos tentar separar o diálogo político-econômico da conversa sobre valores pessoais. Na política, deve estar o debate sobre políticas públicas, fundamentais para o desenvolvimento econômico de uma nação. Já o debate sobre costumes deve ser feito na sua intimidade, vamos respeitar.

Priscila Pereira Pinto, cientista política pela Fordham University (Nova York), mestre em Gerenciamento Político pela George Washington University (Washington, DC) e pedagoga, é CEO do Instituto Millenium.

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