Mr. Holland, personagem vivido por Richard Dreyfuss, passou 30 anos ensinando música no ensino médio, até ter de se aposentar por causa do corte de verbas da disciplina, em um desses momentos nos quais a racionalização dos recursos para a educação, cada vez mais escassos, exigia fazer escolhas. E, é lógico, o dinheiro sobrava para as coisas mais “úteis”, mais “práticas”, mais “adequadas” para o futuro imediato dos jovens. A ideia de uma educação como preparação e não como formação é a ideia de morte da educação e a vitória do adestramento, da domesticação, do treinamento para ser trabalhador e não para ser gente.
O fim do filme é a redenção dos que sofrem com a estupidez das ideias práticas, como se elas fossem as únicas possíveis, necessárias. Antes de deixar a escola, o professor veterano é chamado para ir a uma sala e lá, para a sua surpresa, estão homens e mulheres que foram seus alunos de música ao longo dos 30 anos, para homenageá-lo. Lá está, inclusive, a governadora do estado, com seu clarinete que um dia foi seu tormento, mas que, graças ao empenho e dedicação do professor que sabia que o aprendizado não é de uma disciplina, mas de um jeito de viver, conseguiu superar e, com isso, aprendeu a ultrapassar outras dificuldades e tornar-se chefe do Executivo. Ah, como é imensa a miopia dos utilitaristas!
Empobrecer o currículo do ensino médio é como destruir a floresta
- O protesto dos estudantes (editorial de 8 e 9 de outubro de 2016)
- A reforma do ensino médio (editorial de 27 de setembro de 2016)
- Uma reforma temerária (artigo de Clóvis Gruner, publicado em 28 de setembro de 2016)
- A arte na educação: um imperativo moral (artigo de André Portugal, publicado em 3 de outubro de 2016)
Empobrecer o currículo do ensino médio é como destruir a floresta. Perde-se, antes de conhecer, a chance de tantas descobertas; elimina-se, pela raiz, talentos e criações. Mas, acreditam os burocratas, ganha-se em maior “interesse” dos alunos e diminui-se a evasão. Como se a evasão fosse pelo excesso de disciplinas. A evasão é pela falta de significado dos conhecimentos produzidos pela escola, pela falta de envolvimento dos que deveriam ser seus protagonistas, pela falta de cumplicidade com o conhecimento que nos torna, a todos, mais humanos.
Há um diálogo de milhares de anos ao qual chamamos de conhecimento. Um diálogo que nasce com a perplexidade e com a curiosidade, com o ceticismo e com a inquietação. Esses são os sentimentos que precisam ser resgatados na escola. Tendo-os, não haverá limites para o que se queira aprender, pois que somos pequenos e o tempo é curto para tanto. Se não se cria uma comunidade de aprendizado; se não se apresenta os mistérios do mundo como aventuras para as quais todos são “detetives” convidados: se não se envolve, de corpo e alma, na dúvida e na dificuldade, não como um discurso de fracasso, mas como um desafio para a superação, aí que se fechem as portas e transformem as escolas em, sabe-se lá, pátios de shoppings. Terá melhor proveito.
A reforma proposta pelo síndico de plantão do Executivo nacional faz do ensino médio menos do que poderia ser. Menor, mais tímido, mais defasado. Certamente venderão os resultados como “conquistas”. Quando se acha que sair de 3,7 e chegar a 4,2 é uma conquista, quando se pode sair de perplexidades e chegar a maravilhamentos, quando se pode sair de mistérios e chegar a singulares revelações, bom, isso diz mais de quem está propondo a reforma que dos jovens que nem perceberão o quanto sairão mais pobres e desvalidos de mais esse capítulo triste da história da educação nacional.