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Como diria outro escritor, nas palavras de uma de suas personagens, o café deve ser cultivado com afeto. Para colher grãos de qualidade, o cafeicultor deve observar as recomendações sugeridas em cada fase: temperatura, tipo de solo, umidade, profundidade, distância entre mudas, coloração da cereja (fruto de onde o grão é extraído), momento ideal da colheita, lavagem, secagem, torragem e armazenamento.
O cafeeiro é uma planta perene que pode durar até três décadas. Para tanto, o solo não pode ser arenoso demais e nem deve conter detritos, a temperatura deve respeitar os limites de 18ºC e 23ºC, a região não pode estar ao nível do mar e a colheita deve ser realizada entre os meses de março e setembro, assim que restarem 20% das cerejas verdes. Se os coletores esperarem pelo amadurecimento de cem por cento do plantio, perderão aqueles oitenta por cento já maduros.
Como o ritmo de uma turma é medido pela média dos alunos, os que ficam para trás, bem, ficarão para trás se não fizerem algo a respeito
Para ilustrar a situação, imagine uma sala de aula com 100 alunos. Ainda que eles tenham a melhor professora do mundo, como Rose Morgan de O espelho tem duas faces, um ou outro ficará pelo caminho. E como o ritmo de uma turma é medido pela média dos alunos, os que ficam para trás, bem, ficarão para trás se não fizerem algo a respeito. Eles não podem simplesmente pedir à professora que explique pela décima vez aquele conteúdo, dessa ou daquela maneira – a menos que a maior parte dos alunos não tenha entendido coisa alguma.
Na maioria das vezes, o assunto é perdido e o aluno se vê, a seguir, numa situação de incompreensão e conformismo. Muitas mães descobriram que os filhos faziam parte daqueles vinte alunos no período da pandemia de SARS-COV-2. Ao acompanharem as aulas on-line e corrigirem as atividades, elas descobriram que logo teriam adolescentes incapazes de interpretarem um texto e de realizarem com maestria as quatro operações básicas da matemática. Em vez de culparem os outros, elas tomaram para si a responsabilidade pela formação básica dos filhos.
Quando você pesquisa na internet se o homeschooling é permitido no Brasil, encontra uma série de textos que dizem o contrário. Talvez, se estas pessoas tivessem feito homeschool, elas conseguiriam interpretar a decisão do STF que confirmou a constitucionalidade da prática e atentou à necessidade de regulamentação.
Conforme comentei em outro artigo, se a prática não é proibida, então é permitida. E se é permitida, a falta de legislação não deve ser um impedimento. Além disso, a Constituição Federal afirma, no art. 229, que os pais têm o dever de educar os filhos. Numa leitura combinada com o art. 227, que diz que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à educação, podemos notar que a prioridade é dos responsáveis legais – e não do Estado, que aparece em último plano.
Fazendo uma comparação entre produtos, café e aprendizagem, pode-se afirmar que a escola adota uma colheita semimecanizada. Por meio de avaliações, decide, com base na média adotada, quem segue e quem fica. No ensino domiciliar, a colheita é manual. Cada fruto é analisado individualmente e se ainda estiver verde, não têm porque colhê-lo ou enviá-lo para a próxima etapa.
Assim como o café, o uso do ensino domiciliar não é recomendado para crianças e adolescentes. Embora prescritos para situações distintas, ambos podem ser estimulantes viciantes. Com um você garante um dia produtivo, com o outro, um futuro promissor.
Isadora Palanca é escritora e autora dos livros "Regulamentações do ensino domiciliar no mundo" (Estudos Nacionais, 2022) e "Ensino domiciliar na política e no direito" (Estudos Nacionais, 2022).
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos