Há autoritarismos que se impõem pelas armas, mas outros que o fazem pela corrosão permanente das instituições democráticas
O Tribunal do Júri, na concepção contemporânea, representa conquista do movimento iluminista para dotar a imparcialidade de efetivo conteúdo, a partir do veredicto por cidadãos comuns não integrantes da estrutura do Estado e desprovidos de interesses que não os anseios da pacificação social.
Nesse sentido, a Lei n.º 11.689/2008 estabeleceu a necessária rotatividade dos jurados, bem como firmou as estruturas do julgamento popular, dentro do preconizado pela Constituição Federal de 1988, no modelo em que as partes se encontram em absoluta condição de igualdade e equilíbrio.
Preocupado com a efetivação da igualdade das partes no processo e com a imparcialidade dos jurados, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) assumiu ostensivamente postura contrária à manutenção de sedes, salas, instalações do Ministério Público órgão responsável pela acusação criminal, nos locais que sejam sede do Poder Judiciário, em especial do Tribunal do Júri.
Igualmente, muitos magistrados, atendendo ao espírito democrático da Constituição, não tem admitido que os representantes da acusação oficial se posicionem no plenário do Júri em local destacado, ao lado ou próximo ao juiz de direito ou aos jurados, estabelecendo o local de defesa e acusação lado a lado.
Em várias cidades no estado do Paraná esses aspectos fundamentais vêm sendo sistematicamente não observados, ou seja, as instalações da acusação são na própria sede do Poder Judiciário, gerando convívio diário entre quem acusa e o jurado que profere o veredicto. Há insistência na não rotatividade de jurados, com o gerar de um verdadeiro "jurado profissional"; muitos se orgulham de já fazerem parte do Conselho de Sentença há mais de dez ou até 20 anos, quando tal é motivo de vergonha por atentar diretamente contra as bases fundantes do júri democrático.
Acresce o problema observar que, sem qualquer embasamento em lei, por mera tradição decorrente do modelo de justiça baseado na Inquisição, introduzida no Brasil no período colonial, a acusação segue desfrutando de favores do Estado-Juiz, como o uso indevido do corpo funcional deste e se posicionando em local de destaque, distinto do ocupado pela defesa, fazendo gerar simbólica impressão que haveria credibilidade ou respeito maior por quem acusa do que por quem defende.
Esses fatores têm sido decisivos para que muitas das sedes do Júri, que deveria ser o mais democrático Tribunal do país, assumam o papel de modernas "câmaras de gás", locais para os quais as pessoas seguem na certeza de sua condenação e na impossibilidade de possuir chances mínimas de demonstrar sua versão dos fatos, em outras palavras, caminham para a morte certa.
A distorção havida, na aproximação entre acusação e julgadores, começa a mostrar a sua face mais cruenta pelo início da perda da credibilidade, em várias cidades, do instrumental popular de administração da justiça.
Causa repulsa a manipulação do júri pela indevida aproximação entre quem acusa e os julgadores, com a imposição de convívio diário e, por vezes, por anos, tornando a decisão condenatória uma certeza guiada não pelas provas dos autos, não pelos argumentos esgrimidos em plenário, mas pela simpatia pessoal que passa a existir entre o jurado e o membro da acusação.
Mais que retirar a credibilidade do Júri, coloca-se em risco o próprio Estado Democrático, pois há autoritarismos que se impõem pelas armas, mas outros que o fazem pela corrosão permanente das instituições democráticas, hipótese que perigosamente, na atualidade, "namora" com os exercentes do poder no Brasil.
A democracia tem falhas, porém, como afirmado por Churchill, ela só não é pior que todos os demais regimes já concebidos e tentados pelo homem, razão suficiente para sua preservação, resguardando-a contra a violência dos que tentam atingi-la pela brutalidade, bem como dos que a atingem pela cínica manifestação do discurso insinuante de busca do bem comum, mas em permanente e concreta ação de fragilização das instituições que lhe asseguram real existência.
Adel El Tasse, procurador federal, é professor de Direito Penal e coordenador no Paraná da Associação Brasileira de Professores em Ciências Penais (ABPCP). E-mail:adel@eltasse.com.br