Cada vez mais começamos a sentir o coronavírus nos nossos calcanhares. Nesta provável segunda onda pela qual estamos passamos neste final do ano sentimos o vírus mais perto de nós. Enquanto na primeira onda ouvíamos falar de pacientes e tínhamos um conhecido que tinha outro conhecido que sabia de um caso de hospitalização por conta da infecção, agora já temos pessoas muito mais próximas sofrendo. Mesmo assim muitos ainda colocam na balança se vale mais a pena o isolamento/distanciamento social ou ir às compras de final de ano em uma preparação para uma festa que, embora mais modesta, ainda de pé para a maioria das famílias brasileiras. “Só vou me reunir com pessoas próximas, e se pegar, peguei. Fazer o quê?”. A ideia de uma infecção branda ainda é vista como a “maior probabilidade” e a importância que deveria ser dada simplesmente é relevada. Talvez este pensamento não seja tão bom assim.
Sabemos que o coronavírus causa uma doença cujos sintomas se assemelham muito a um resfriado comum. E por conhecimento prévio sabemos que nós nos recuperamos de resfriados sem nenhum efeito duradouro na saúde. Portanto, você pode pensar que os indivíduos que se recuperam da Covid-19 causada por este coronavírus também voltariam ao normal com relativa rapidez. Embora esse possa ser o caso para algumas pessoas, outras que se recuperaram até mesmo de uma Covid-19 relativamente leve ou moderada estão enfrentando problemas de saúde que podem durar semanas ou até meses. Na verdade, a situação é tão comum que algumas dessas pessoas se uniram e deram um nome à sua condição: “Covid-19 long-haulers” (“Covid-19 de longa duração” em tradução livre).
O Centro Americano de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) identificou que cerca de um terço das pessoas com episódios moderados de Covid-19 que não foram hospitalizadas e boa parte dos casos leves apresentaram doença prolongada e sintomas persistentes por semanas ou até mesmo meses após contrair o coronavírus.
Entre os muitos problemas de saúde de longo prazo que foram associados a Covid-19 podemos destacar como principais uma leve falta de ar, algo parecido a um aperto no peito, fadiga branda ou moderada (intolerância à atividade física), calafrios ou suores, dores no corpo, tosse seca, febre baixa (37,5oC), dor de cabeça leve, confusão mental/dificuldade de concentração e problemas de cheiro e sabor. Alguns outros problemas persistentes parecem não ser tão frequentes, mas são muito mais sérios, como inflamação do músculo cardíaco, anormalidades da função pulmonar, lesão renal aguda, erupção cutânea, queda de cabelo, problemas de memória, ansiedade e mudanças de humor. Isso é muito sério!
Os pacientes que se recuperaram da Covid-19 relatam que esses sintomas aumentam de maneira imprevisível, geralmente em combinações diferentes, e podem ser debilitantes por semanas. Diversos pacientes já relataram persistência de dificuldade para respirar, ausência de paladar, confusão mental ou mesmo mudança de humor por vários meses após testarem negativos para o coronavírus.
Por ser a Covid-19 uma doença tão nova, pouco se sabe sobre o que causa a persistência dos sintomas, o que impede a recuperação completa ou como ajudar os “Covid-19 long-haulers”. Este assunto está se tornando tão sério que o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos patrocinou no início do mês uma reunião para discutir os sintomas de longo prazo da Covid-19.
Veja que não estamos falando de algumas centenas ou milhares de pessoas. Mas sim de milhões. De acordo com o site da Universidade John Hopkins já temos mais de 75 milhões de casos no mundo, dos quais algo entre 10% e 30% apresentaram ou apresentam algum sintoma de “longa duração”.
O Brasil responde por quase 10% deste número, com mais de 7 milhões de casos. Portanto a identificação deste problema lançou luz sobre milhões de pessoas em todo o mundo que foram afetadas pelos sintomas persistentes da doença.
Quando se trata de Covid-19 de longa duração, podemos enfrentar outra crise de saúde pública. Como este novo vírus é um desafio para ciência, o tratamento dos sintomas duradouros é algo que a medicina ainda não encontrou a resposta.
Na verdade, ainda não há nem mesmo um nome clínico para esta condição. Ela também não é oficialmente classificada como uma síndrome, apesar de alguns pesquisadores estarem se referindo a ela como síndrome pós Covid-19 (ou “post-acute Covid-19 syndrome” em inglês).
A maioria dos pacientes com Covid-19 de longa duração são deixados de lado ou até mesmo ignorados (muitas vezes por culpa dos próprios pacientes que não relatam seus problemas). Isso ocorre porque eles caem no ponto crucial do atendimento, onde os provedores salvam as vidas dos pacientes com ventiladores, tendo que manter as pessoas vivas e, então, tratam seus outros pacientes. Os “long-haulers” não estão em uma posição crítica de risco de vida, mas os sintomas de longo prazo podem ser dolorosos de se conviver.
Muitas vezes os pacientes escutam de seu médico que está tudo bem, mas eles ainda não conseguem sair da cama pela manhã! Muitos pacientes “curados” não conseguem trabalhar, se exercitar ou mesmo retomar uma vida normal. Vejam que não estamos falando apenas dos pacientes que precisaram ser intubados e cujos problemas de longo prazo tendem a ser ainda maiores. Muitos médicos acreditam que ainda não começamos a ver o dilúvio de pacientes com Covid-19 de longa duração. Existem milhões de pessoas que serão afetadas por esta condição ainda pouco conhecida. Você pode ser um deles.
Imagine que nos próximos dois anos, se não mais, continuaremos a ver um grande número de pacientes com sintomas de longa duração e este problema não vai terminar quando a pandemia for controlada. Pode se tornar uma emergência de saúde pública e parte desta culpa pode ser sua.
Você ainda acha que vale manter o propósito de uma reunião familiar de final de ano com os parentes e amigos?
Fabio Rueda Faucz é pesquisador do Laboratório de Genética e Endocrinologia do Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano Eunice Kennedy Shriver, nos Estados Unidos, e professor licenciado do curso de Ciências Biológicas da Escola de Ciências da Vida da PUCPR.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Instituto Nacional de Saúde dos EUA.
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