A possibilidade de uma patologia exponencial já estava no mapa dos acontecimentos; faz 5 anos, a inteligência poliédrica de Bill Gates proferiu palestra profética, alertando – em alto e bom som – para a grave ameaça do bioterrorismo e de eventual catástrofe da contaminação massiva da sociedade global. Infelizmente, os acenos da razão superior não foram ouvidos pela arrogância do poder, que pensando saber tudo, nada fez. Agora, a conta chegou com juros exorbitantes.
O impressionante é que o custo da prevenção teria sido uma bagatela: imposição planejada de um padrão global imperativo de higiene e práticas sanitárias produtivas comerciais. A medida era possível, estava ao alcance de todos e deveria ter sido construída pela ação diplomática coordenada e responsável. Mas, não. Enquanto a roleta gira, a turma sai do chão, pensando viver na lua.
Ora, a cocaína dos lucros virtuais faz a consciência deslocar-se da sensatez, passando a criar uma realidade paralela. Mais uma vez, as cifras imaginárias do mercado de apostas passaram a valer mais que a vida vivida. A farra, no entanto, não dura para sempre. Isso é sabido até pelo mundo mineral. Depois de muita loucura boa, a adrenalina passa, a espuma baixa e a ressaca bate à porta. Quando se vê, o crédito sumiu, a confiança evaporou e a quebradeira corre como incandescente rastilho de pólvora.
Sim, senhoras e senhores, o capitalismo globalizado está em xeque. O mundo pulsa em estado de transformação dinâmica. Em algum momento, o pavor e o pânico serão aplacados, mas a ordem político-econômica será substancialmente outra. As primeiras medidas já dão o tom do futuro: o isolamento momentâneo levará à retomada dos nacionalismos, o fechamento de fronteiras e a xenofobia, culpando-se alguns por erros que são de todos. Sim, todos.
O mundo globalizado – de infinitas vantagens econômicas – tem custos e deveres que não mais podem ser ignorados pelas nações soberanas. Problemas globais exigem respostas sistêmicas e, não, iniciativas paroquiais. Há, assim, a urgente necessidade de criação de uma governança global institucionalizada, capaz de gerenciar com competência, eficiência e agilidade os desafios do estilo de vida cosmopolita.
Aqui, a lógica é exata: sistemas complexos são incompatíveis com governos simplórios. A evolução humana sofisticou as estruturas de poder, sendo as atuais flagrantemente anacrônicas. Enquanto não fecharmos esse profundo gap institucional, as tensões e instabilidades serão constantes. Mas como criar uma democracia política global se nem no plano interno as pessoas conseguem se entender sobre pautas comuns?
Eis aí o mais premente desafio político da contemporaneidade.
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.