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A natureza perversa dos tributos no Brasil pode ser observada no atacado e no varejo. A parte da sociedade com renda mensal inferior a dois salários mínimos (SM) observou elevação do peso dos tributos de 28,2% da renda em 1996 para 49,0% em 2004, enquanto que para a faixa de rendimentos acima de 30 SM a carga passou de 17,9% para 26,3% no mesmo período. O mais gritante, porém, é que a atual carga de quase 40,0% do PIB estaria cerca de 15 pontos porcentuais acima da aplicada a países com renda per capita similar à brasileira (cerca de US$ 3.500,00 por ano).

É lícito argumentar que as retiradas adicionais de recursos da esfera privada serviram de amparo aos crescentes saldos fiscais primários em circunstâncias de acréscimo das despesas correntes, notadamente as previdenciárias, acopladas ao envelhecimento da população e a estratégia de recomposição do poder aquisitivo do SM.

Cálculos realizados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontam queda no grau de pobreza (porcentual da população com rendimento per capita mensal inferior a R$ 121,00) da população brasileira de 28,2% em 2003 para 22,8% em 2005, o menor nível desde 1992, em conseqüência da ampliação dos patamares de emprego e renda, da oferta de benefícios sociais, da elevação dos dispêndios previdenciários e dos reajustes reais do salário mínimo. Mas, mesmo tendo recuado 24,3% e 14,8% entre 1994 e 2002, e 2003 e 2005, respectivamente, essa categoria ainda hospeda cerca de 42,6 milhões de pessoas.

A par disso, as classes dominantes do país procuram consolidar um arsenal de preservação e expansão de defesa de seus interesses, pleitos, renda e patrimônio em duas instâncias superiores: o Banco Central, representante da elite financeira nacional e internacional, e o Congresso Nacional, encarregados da representação dos heterogêneos, e por vezes pulverizados, desejos da fração dominante do tecido social. Em decorrência disso, o governo brasileiro contabiliza quase R$ 160 bilhões por ano na conta de juros, dos quais cerca de 70,0% beneficiam somente 20 mil famílias, protegidas pela transformação do caixa das empresas em poupança financeira.

Se essa aliança hegemônica não for rompida no próximo mandato presidencial, mesmo considerando a ausência de condições políticas mais adequadas, o prosseguimento das iniciativas assistencialistas em um cenário de recuperação do crescimento econômico poderá esbarrar em alguns fatores de risco exógenos e endógenos.

Pela ótica das tensões externas afloram três componentes. O primeiro deles reside na interrupção da mais expressiva marcha de crescimento da economia mundial das últimas três décadas, determinada pela provável diminuição de ímpeto dos Estados Unidos (EUA), em função da depreciação dos ativos imobiliários e da ampliação das dificuldades de financiamento do déficit externo daquele país (estimado em US$ 800,0 bilhões/ano), e da inversão da curva de juros, com o preço dos títulos de longo prazo menores que os de curto prazo. Este último fenômeno pode ser atribuído à maior previsibilidade da inflação e à pronunciada demanda por papéis americanos proveniente dos bancos centrais asiáticos, dos países exportadores de petróleo e das nações emergentes.

Tal panorama deve implicar impulsão de juros e retração dos fluxos de comércio mundiais e das cotações das commodities, não compensada pela assimetria provocada pela expansão de China, Índia e Japão. Lembre-se aqui que a valorização dos imóveis nos EUA chegou a quase 90,0% entre 1997 e 2005, permitindo aos proprietários a obtenção de financiamentos a juros menores.

O segundo elemento equivale ao acirramento de conflitos geopolíticos, particularmente no Oriente Médio, articulado à mudança de patamar dos preços do petróleo.

No front das distorções domésticas emerge a falta de equacionamento da crise financeira do agronegócio, segmento responsável pela maior proporção dos saldos comerciais e de postos de trabalho gerados pelo país desde 2003; a precariedade no gerenciamento das finanças públicas, especificamente quanto à impulsão dos dispêndios correntes e à deterioração orçamentária, a interferência dos reajustes reais do SM e a subida do endividamento, em face da contração das disponibilidades financeiras das famílias provocada pelo maior comprometimento da renda ligado à proliferação da modalidade de empréstimos em consignação, atestada pelo declínio das vendas do comércio varejista entre junho e agosto de 2006.

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