Não é estratégia, é lei; todo ano, em janeiro, deve haver o reajuste do piso salarial do magistério. A meta 17 do Plano Nacional de Educação (PNE 2014/2024) estabelece valorizar os profissionais do magistério das redes públicas da educação básica equiparando seus rendimentos médios aos demais profissionais com a mesma escolaridade. Sim, é um importante meio de dar o devido valor à carreira, mas só isso não resolve.
O que vem sendo chamado de “apagão docente” representa um forte alerta para que a carreira do professor seja priorizada em nosso país, já que é justamente ele o principal fator de aprendizagem dos estudantes. Buscar melhorias para a educação não deve se limitar aos projetos e ações para que os alunos alcancem os melhores resultados; ainda que, concomitantemente, são necessários esforços investidos para uma formação docente adequada, capaz de ser atrativa a bons candidatos para a carreira, e, sobretudo, para o reconhecimento de seu valor profissional – para muito além de uma remuneração compatível, ainda que esta seja condição inerente à valorização.
É preciso romper com essa corrente enquanto ainda há tempo de evitar o apagão docente, valorizando a carreira desde a sua formação.
Os números alarmantes que resultam na previsão de escassez docente para um horizonte logo ali, no máximo 20 anos, são indicados em resultados de diversas pesquisas desenvolvidas nos últimos anos, dentre elas uma publicada pela Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior do Brasil. Fatores como a baixa procura pelos cursos de licenciatura, levando muitas instituições, especialmente as particulares, a extinguirem a oferta. O abandono da profissão se dá por conta da precariedade das condições de trabalho – que vão desde a infraestrutura até as situações de violência em sala de aula –, mas também à defasagem quantitativa entre professores com até 24 anos, em início de carreira, e aqueles com 55 anos ou mais, encerrando sua trajetória profissional. Isso significa a previsão de um déficit de professores na educação básica que pode chegar a 235 mil, em 2040. Isso porque, considerando uma proporção de 20 pessoas entre três e dezessete anos para cada docente em atividade na educação básica, serão necessários 1,97 milhão de professores para atender a demanda daqui a 17 anos.
Porém, se a porcentagem de crescimento de ingressantes nos cursos de licenciatura continuar diminuindo na proporção em que está hoje – entre 2010 e 2020, enquanto os demais cursos superiores tiveram crescimento de 76%, as licenciaturas aumentaram em 61% –, esse número de docentes não será alcançado.
Para algumas áreas do conhecimento, o cenário é ainda mais grave: cursos de Biologia, Física e Química representam menos de 5% do total de matrículas nas licenciaturas, lembrando que nem todo ingressante chega a concluir o curso, e ainda não são todos os egressos de licenciatura que seguem carreira na docência. Outro dado preocupante é que essa porcentagem de ingressantes só chega a este número porque grande parte dessas matrículas (quase 60% desse total) são na modalidade EaD. Mas isso é problema? Não deveria ser, mas, infelizmente, o cenário real dos cursos que formam docentes a distância não é dos mais promissores.
De acordo com o professor doutor António Nóvoa, respeitado pesquisador na área de formação docente e reitor honorário da Universidade de Lisboa, formar um professor é formar um profissional da educação, assim como formar um médico, referindo-se à importância que deve ser dada à profissão em termos de qualidade, recursos e investimentos. Na contramão dessa reflexão lançada por Nóvoa, os cursos em EaD não possuem exigência de formação prática ou de estágios de docência em escolas públicas, resultando, muitas vezes em egressos com fragilidades para enfrentar os desafios da sala de aula e a responsabilidade com a educação. A oferta desses cursos é grande, e com seu baixo custo atrai justamente um contingente de estudantes que almejam cursar uma faculdade em busca de uma carreira, mas, infelizmente não possuem capacidade para ingressar em cursos mais concorridos e, em geral, profissões melhor remuneradas.
Estamos diante de um círculo vicioso, ou como diriam alguns, do “dilema de Tostines”. É preciso romper com essa corrente enquanto ainda há tempo de evitar o apagão docente, valorizando a carreira desde a sua formação, passando pelas condições de trabalho e de remuneração. A missão é desafiadora, mas na pauta da educação, o que não é?
Maria Paula Mansur Mäder é doutora em Educação e coordenadora de produção e disseminação no Instituto Positivo.
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